São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Com uma cobertura acusada de servir de propaganda política, jornalistas e técnicos das TVs da Iugoslávia e do Ocidente passam a ser considerados "alvos legítimos" no conflito militar dos Bálcãs
'Armas' de guerra

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A primeira ação de guerra da Iugoslávia, quando a Otan atacou há dois meses, foi expulsar Christiane Amanpour, a estrela maior da CNN. Ela estava um dia em Belgrado; no seguinte, apareceu na Bélgica. No relato da concorrente BBC, Amanpour teve que ser retirada às pressas, com a ajuda de um terceiro país.
A Guerra do Golfo, oito anos atrás, transformou a TV em arma pelas mãos da mesma CNN -que ficou sozinha em Bagdá, num polêmico acordo que serviu ao esforço iraquiano de guerra. Reconhecida como arma, agora a TV, qualquer TV, virou também "alvo legítimo" no conflito dos Bálcãs.
O governo iugoslavo expulsou nos primeiros dias de ataque cerca de 40 correspondentes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha e França, os países que lideram a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Depois acabou convidando alguns de volta, ao ver que poderiam ajudar.
De seu lado, a Otan, ao comemorar os 50 anos, no exato dia em que reuniu 19 chefes de Estado em Washington, decidiu bombardear os estúdios da TV estatal iugoslava, que chamou de "alvo legítimo". Matou cerca de 25 pessoas, entre jornalistas, técnicos e até uma maquiadora.
Com a ação, tirou a TV do ar por quatro horas e começou a diminuir a capacidade do governo iugoslavo de gerar imagens dos "danos colaterais" -eufemismo para a morte de civis- dos ataques da Otan. São imagens que, reproduzidas pelas TVs dos EUA e outras, minam o apoio ocidental à ação.
A TV iugoslava, como justificou a Otan, é de fato um "ministério da mentira", sendo a mentira maior o veto às notícias da expulsão de centenas de milhares de kosovares. O problema é que, sem as imagens da TV iugoslava, também as TVs ocidentais não passam de "ministérios da mentira" -do lado oposto.

Protesto
As TVs ocidentais, CNN e BBC à frente, sabem disso e até se esforçam por reagir. Quando a Otan demorou a admitir que havia atingido civis no início de abril, em nova relutância diante de imagens e fatos, a CNN se juntou a outras redes e a jornais como o "The New York Times" num protesto sigiloso.
Duas semanas depois, quando a Otan atacou a TV estatal, o protesto veio a público -só no "NYT". Dizia a carta que foi enviada pelos órgãos norte-americanos ao secretário da Defesa, sem conseguir resposta: "Em muitos dias, a mídia estatal iugoslava tem sido mais específica do que os EUA ou a Otan".
Naquele mesmo dia, a BBC e outras redes européias divulgavam seu protesto contra o bombardeio da TV iugoslava: "(Estamos) preocupados com quaisquer tentativas de limitar o direito do público a serviços noticiosos completos, através da destruição dos meios de troca de notícias".
O bombardeio, no dia 24 último, foi precedido de uma ameaça da Otan: a TV seria atacada se não se abrisse três horas diárias para canais de notícias como CNN e BBC. John Simpson, estrela da BBC, reclamou que foi o mesmo que admitir que os maiores canais ocidentais são, de fato, "armas de guerra".
O presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, em entrevista à rede CBS, reagiu: "CNN, BBC, tudo pode ser visto aqui. Elas são pagas para mentir. Eu acredito que hoje a mídia é uma arma ainda mais poderosa do que as bombas e mísseis". O bombardeio aconteceu dois dias depois.

Reação
A ameaça e o posterior bombardeio da TV iugoslava explicam as supostas retaliações que se observaram logo na sequência, contra os canais citados. A CNN teve suas instalações destruídas por uma multidão em Belgrado, com prejuízo que ultrapassaria US$ 1 milhão em equipamentos.
A BBC sofreu mais, se for confirmada a morte de uma apresentadora por ativistas sérvios, dias depois, em Londres. O canal recebeu um telefonema de um homem se dizendo representante de um grupo sérvio, responsável pela morte da jornalista, e ameaçando novo atentado contra o diretor de jornalismo da BBC.
Na última semana, o bombardeio da embaixada da China em Belgrado -que matou três jornalistas chineses- estimulou novos episódios. Três jornalistas da BBC foram agredidos em Pequim quando faziam entrevistas. E a correspondente da CNN na China foi agredida em plena transmissão por telefone, ao vivo.


Texto Anterior: "Operação resgate" dá sinais nas novelas
Próximo Texto: Para Ted Turner, 'Cnn é um vírus benigno no mundo de hoje'
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.