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Com uma cobertura acusada de servir de propaganda política, jornalistas e técnicos das TVs da Iugoslávia e do Ocidente passam a ser considerados "alvos legítimos" no conflito militar dos Bálcãs
'Armas' de guerra
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
A primeira ação de guerra da Iugoslávia, quando a
Otan atacou há dois meses,
foi expulsar Christiane
Amanpour, a estrela maior
da CNN. Ela estava um dia
em Belgrado; no seguinte,
apareceu na Bélgica. No
relato da concorrente
BBC, Amanpour teve que
ser retirada às pressas,
com a ajuda de um terceiro
país.
A Guerra do Golfo, oito
anos atrás, transformou a
TV em arma pelas mãos da
mesma CNN -que ficou
sozinha em Bagdá, num
polêmico acordo que serviu ao esforço iraquiano de
guerra. Reconhecida como
arma, agora a TV, qualquer TV, virou também
"alvo legítimo" no conflito dos Bálcãs.
O governo iugoslavo expulsou nos primeiros dias
de ataque cerca de 40 correspondentes dos Estados
Unidos, Grã-Bretanha,
Alemanha e França, os
países que lideram a Organização do Tratado do
Atlântico Norte. Depois
acabou convidando alguns
de volta, ao ver que poderiam ajudar.
De seu lado, a Otan, ao
comemorar os 50 anos, no
exato dia em que reuniu 19
chefes de Estado em Washington, decidiu bombardear os estúdios da TV estatal iugoslava, que chamou de "alvo legítimo".
Matou cerca de 25 pessoas,
entre jornalistas, técnicos e
até uma maquiadora.
Com a ação, tirou a TV
do ar por quatro horas e
começou a diminuir a capacidade do governo iugoslavo de gerar imagens
dos "danos colaterais"
-eufemismo para a morte
de civis- dos ataques da
Otan. São imagens que, reproduzidas pelas TVs dos
EUA e outras, minam o
apoio ocidental à ação.
A TV iugoslava, como
justificou a Otan, é de fato
um "ministério da mentira", sendo a mentira
maior o veto às notícias da
expulsão de centenas de
milhares de kosovares. O
problema é que, sem as
imagens da TV iugoslava,
também as TVs ocidentais
não passam de "ministérios da mentira" -do lado oposto.
Protesto
As TVs ocidentais, CNN
e BBC à frente, sabem disso e até se esforçam por
reagir. Quando a Otan demorou a admitir que havia
atingido civis no início de
abril, em nova relutância
diante de imagens e fatos, a
CNN se juntou a outras redes e a jornais como o
"The New York Times"
num protesto sigiloso.
Duas semanas depois,
quando a Otan atacou a
TV estatal, o protesto veio
a público -só no "NYT".
Dizia a carta que foi enviada pelos órgãos norte-americanos ao secretário da
Defesa, sem conseguir resposta: "Em muitos dias, a
mídia estatal iugoslava tem
sido mais específica do que
os EUA ou a Otan".
Naquele mesmo dia, a
BBC e outras redes européias divulgavam seu protesto contra o bombardeio
da TV iugoslava: "(Estamos) preocupados com
quaisquer tentativas de limitar o direito do público
a serviços noticiosos completos, através da destruição dos meios de troca de
notícias".
O bombardeio, no dia 24
último, foi precedido de
uma ameaça da Otan: a TV
seria atacada se não se
abrisse três horas diárias
para canais de notícias como CNN e BBC. John
Simpson, estrela da BBC,
reclamou que foi o mesmo
que admitir que os maiores canais ocidentais são,
de fato, "armas de guerra".
O presidente iugoslavo,
Slobodan Milosevic, em
entrevista à rede CBS, reagiu: "CNN, BBC, tudo pode ser visto aqui. Elas são
pagas para mentir. Eu
acredito que hoje a mídia é
uma arma ainda mais poderosa do que as bombas e
mísseis". O bombardeio
aconteceu dois dias depois.
Reação
A ameaça e o posterior
bombardeio da TV iugoslava explicam as supostas
retaliações que se observaram logo na sequência,
contra os canais citados. A
CNN teve suas instalações
destruídas por uma multidão em Belgrado, com prejuízo que ultrapassaria
US$ 1 milhão em equipamentos.
A BBC sofreu mais, se for
confirmada a morte de
uma apresentadora por
ativistas sérvios, dias depois, em Londres. O canal
recebeu um telefonema de
um homem se dizendo representante de um grupo
sérvio, responsável pela
morte da jornalista, e
ameaçando novo atentado
contra o diretor de jornalismo da BBC.
Na última semana, o
bombardeio da embaixada
da China em Belgrado
-que matou três jornalistas chineses- estimulou
novos episódios. Três jornalistas da BBC foram
agredidos em Pequim
quando faziam entrevistas.
E a correspondente da
CNN na China foi agredida em plena transmissão por telefone, ao
vivo.
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