São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
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Para Ted Turner, 'Cnn é um vírus benigno no mundo de hoje'

Associated Press
O empresário Ted Turner, vice-presidente do grupo Time-Warner e criador da CNN


FRANCISCO MARTINS DA COSTA
Editor do TV Folha

Ted Turner, 61, o criador da rede CNN, presente em mais de 150 milhões de lares em todo o mundo, se diz um homem da paz, um seguidor de Martin Luther King e Gandhi.
Para ele, a guerra terrível em todos os sentidos. "A Guerra é péssima para os negócios", afirma, apesar de ter sido justamente um conflito armado, a Guerra do Golfo, o principal marco na expansão de sua rede de notícias.
Sobre essa acusação, a de faturar com as guerras, Turner afirma que a CNN mostra a guerra para o mundo para que todos possam ver como tudo é hediondo. "Qual o sentido de matar pessoas, destruir escolas e hospitais?", questiona.
O multimilionário divide atualmente seu tempo entre atividades filantrópicas (é responsável por grandes doações de dinheiro à ONU), a vida rural em sua fazenda no Estado norte-americano de Montana e o comando de um vasto império de entretenimento que inclui, entre outras coisas, um time de beisebol, o acervo cinematográfico da MGM, um estúdio para a produção de filmes e seriados para a TV (como "Seinfeld") e os canais Cartoon Network, TNT e CNN Financial.
Casado com a ex-atriz Jane Fonda, o empresário fala com o mesmo entusiasmo de sua criação de bisões (em seu camarote no estádio-sede dos Atlanta Braves, serve hambúrgueres de carne de bisão a seus convidados), dos projetos da ONU que financia no Terceiro Mundo e de seus negócios em TV.
Em entrevista à Folha, em Atlanta, sede da CNN, ele fala sobre o papel da mídia, o futuro da imprensa e até mesmo a respeito do bug do milênio.

O que o sr. acha da guerra?
- A Guerra é terrível. Em um momento em que o mundo todo está conectado, é péssimo ser um excluído. E é isso que acontece com países que não vivem em paz, como a África do Sul, no passado, e com o Iraque e a Iugoslávia, mais recentemente.
O sr. diz que a CNN defende a paz, mas seus momentos de maior audiência são as transmissões ao vivo de guerras. O que o sr. acha disso?
- Quando comecei a CNN, não sabia onde ia dar, como Cristóvão Colombo quando saiu da Espanha. Minha idéia, essencialmente, era sobreviver. Aí eu vi o negócio se expandir como um vírus. Não um vírus maligno, algo do bem. Acho que somos um vírus benigno no mundo atual.
Informação, honesta e pura, colabora para que as pessoas fiquem mais educadas e esclarecidas. Quanto mais bem informadas forem as pessoas, melhores chances elas terão de tomar decisões acertadas. Eu acho que o mundo real é muito mais pacífico do que aquele que aparece na CNN, mas as pessoas devem ser informadas dos conflitos.
A guerra é péssima para os negócios, e todos querem fazer negócios hoje em dia.
Se o seu país está envolvido em uma guerra, seus compatriotas precisam saber o que acontecendo no campo de batalha. Lembra-se daquele soldado japonês que foi encontrado nas Filipinas décadas após o final da Segunda Guerra achando que o conflito ainda não havia terminado?
Não gostamos de ver jornalistas serem mortos em guerras, mas eles precisam estar lá nessas horas. Num mundo globalizado como o nosso, as pessoas precisam saber o que acontece até mesmo em lugares distantes do planeta. As razões que geraram conflitos como os que agitam hoje a Iugoslávia podem se manifestar em nações como a Espanha, por exemplo, no futuro.
A CNN foi declarada inimiga do povo sérvio e seu escritório em Belgrado foi destruído logo após o bombardeio da Otan à sede da TV sérvia. Quais foram as razões para isso e como o sr. vê essa reação?
- Creio que eles acharam que nós não estávamos cumprindo nosso objetivo por lá. Considero que estávamos realizando nosso trabalho muito bem. A prova disso é aquele ditado "Se você fizer um bom serviço na cobertura de uma guerra -ou de outro assunto qualquer- os dois lados envolvidos vão ficar contra você". Nós não estamos lá para agradar nem sérvios nem a Otan. Não podemos ser populares nesse tipo de cobertura.
A comunicação é uma ferramenta poderosa e deve ser tratada com cuidado. Acho que nós somos um exemplo de liberdade de expressão e lutamos por isso.
Qual o sr. acha que é o papel e o impacto da CNN na política internacional?
- Eu sei que, em tempos de crise, todos os líderes mundiais assistem à CNN. A mesma informação está disponível para todos. Nesse aspecto somos muito importantes. Mas o principal é que, quando mostramos a guerra pela TV fica evidente a atrocidade disso tudo. Qual o sentido de matar outras pessoas e destruir hospitais, escolas, pontes e usinas de energia, por exemplo? Bombardear um país, uma cidade, é sempre ruim -e ruim para todos. Sempre estivemos interessados na paz mundial aqui na CNN. Em 1986, por exemplo, muito antes da Guerra do Golfo, quando ainda não éramos tão grandes, fomos à Ex-União Soviética e promovemos os Godwill Games, unindo norte-americanos e soviéticos após duas olimpíadas nas quais uma nação boicotou os jogos promovidos pela outra.
Como será a CNN no futuro?
- Você diz no próximo milênio? Não sei. É complicado. Muita coisa pode acontecer. O pior cenário é o seguinte: a Otan promove um boicote econômico e envia tropas terrestres à Iugoslávia. Os russos mandam suprimentos em navios cargueiros escoltados por uma frota militar. Começa uma guerra nuclear e aí o que temos? Nem chegamos ao novo milênio! Daqui a cinco anos talvez nem existamos mais (risos)!
Esta guerra tem de acabar o mais rápido possível!
Eu já defendi publicamente a inclusão da Rússia na Otan. Trata-se de uma nação democrática que quer entrar para a entidade. Deixem entrar! Sei bem como é ser boicotado, excluído. Eu mesmo já fui recusado como sócio em vários clubes de golfe aqui dos EUA.
Quando era um garotinho, pensava "Nossa! Quando chegar o ano 2000 eu vou ter 61 anos!". Meu pai morreu aos 63 e eu achava que talvez não chegasse lá. Tudo bem, ainda dá tempo para eu morrer. Meu avião pode cair um dia desses ou posso ser assassinado. Eu me preocupo com o futuro, mas não tenho medo da morte.
Me preocupo com muita coisa, inclusive com o bug do milênio. Acho até que na noite do próximo réveillon vários aviões vão cair -e teremos com certeza uma noite cheia de notícias (risos)!
Quais são seus maiores sonhos e medos?
- Meu sonho é ver paz e prosperidade para toda a humanidade. Sonho com o fim da ignorância e da degradação ambiental. Quero ver todo mundo vivendo com dignidade, com um bom emprego, com saúde, educação e tudo mais. Meu medo é não ver nada disso.
O sr. considera o dinheiro doado à ONU um investimento ou filantropia?
- Eu gasto US$ 100 milhões por ano em doações à ONU e sei que esse dinheiro é gasto em grande parte em projetos na porção subdesenvolvida do mundo. Considero um investimento. Acredito que o dinheiro está sendo usado para melhorar o futuro da humanidade. Tenho certeza que esse dinheiro está sendo bem utilizado. Financiamos programas como um que provê complementação alimentar a gestantes do Timor do Leste, outro que erradica de vermes na África central, um de imunização contra doenças tropicais em crianças de Serra Leoa e ainda a construção de casas no Vietnã, entre outros tantos. Quando faço uma doação à ONU, Si que o dinheiro vai direto para as agências que executam esses projetos pelo mundo todo. Não é uma doação simples. Temos um complexo sistema de controle que nos permite saber como está sendo investido. A ONU não é ineficiente. Os governos locais aonde executamos esses projetos geralmente são.


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