São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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ARTIGO

Para fazer um programa ético e popular


Para finalizar a série de artigos sobre qualidade e ética na TV, escritos por dirigentes das principais redes de televisão do país, o autor do texto de hoje é o diretor do "Domingão do Faustão", da Rede Globo.


ALBERTO LUCHETTI
especial para a Folha

Como fazer um bom programa popular nas tardes de domingo? Convém, antes de tudo, eliminar a idéia de que o simples é fácil. Pelo contrário: é muito difícil. Não se deve também se deixar seduzir por idéias pré-concebidas, imposições da preferência de minorias e transposições de modelos externos. Um bom programa se faz para a família no instante de lazer. Sobretudo em casa, num dia de recesso e descanso, ela deve ser respeitada, elevada, preservada em seus valores éticos e morais e estimulada em sua cidadania.
No dia-a-dia, a família na poltrona da sala ou em outros cômodos da casa, com um ou mais aparelhos de TV ligados, não pode jamais ser menosprezada e submetida ao bizarro, ao pornográfico, à exploração da tragédia e da miséria humanas.
O domingo é atípico e, ao contrário dos demais dias da semana, exige de quem pensa e produz um bom programa popular de TV a mais aguda preocupação com o coletivo. Em nenhum outro dia ou situação, a sociedade está tão bem representada e completa.
Tais conclusões não são resultado do achismo ou de compêndios de faculdade de comunicação. São fruto de um aprendizado em curso. De um exercício dominical na tentativa de compreender o coletivo e descobrir sua face mais lúdica, identificar o senso e o gosto de uma sociedade inquieta, com o controle remoto apontado para o nosso trabalho.
Há um ano e meio empenhado em manter o programa dentro dos padrões de qualidade da Rede Globo e preocupado em não permitir que o "Domingão do Faustão" fosse vítima da frequente confusão entre o popular e popularesco, resolvi reunir a produção do programa e criar um decálogo -uma espécie de código de ética interno. Estabelecemos ali algumas regras, a partir de então observadas com rigor no nosso cotidiano, e aperfeiçoamos o conceito do programa, diferenciando-o de outros que procuram caminhar no mesmo gênero.
O passo seguinte foi consultar dados do Departamento de Pesquisa da Rede Globo sobre o "Domingão do Faustão". Estávamos, enfim, indo ao rumo certo? As conclusões nos estimulam ainda mais.
Há dois pontos fundamentais a serem destacados do resultado. Primeiro, a pesquisa diz que um bom programa de domingo precisa ser alegre, e o humor é a principal característica do apresentador Fausto Silva, cercado de quadros divertidos e humoristas por todos os lados. Os números demonstram que a maioria do universo consultado assiste ao programa pelo que ele oferece de lúdico e de entretenimento.
O segundo ponto é que o programa é hoje adequado a toda a família, e a pesquisa diz isso, reforçando nossa luta pela preservação dos conceitos de respeito e de responsabilidade, traduzida no critério de escolha das atrações e na fidelidade ao decálogo.
A pesquisa indica também nosso acerto ao investir em atrações pouco previsíveis. Assim, relançamos Reginaldo Rossi, identificamos um fenômeno musical fora da mídia chamado Frank Aguiar e adotamos um rapaz que surgiu da platéia num domingo, ao acaso, e se transformou em símbolo de simpatia e perseverança. O cantor Júnior representa hoje o que 88% dos entrevistados na pesquisa querem: novos talentos e o triunfo do anônimo, a vez do cidadão que supera obstáculos monstruosos para alcançar a consagração. E, inspirados em Júnior, lançamos o Concurso Nacional de Novos Talentos, para revelar cantores e cantoras, cujo vencedor gravará um CD e será contratado pela Rede Globo.
A pesquisa concluiu que é possível manter a liderança e a audiência com qualidade. O "Domingão do Faustão" é o programa de domingo mais lembrado por 72% dos entrevistados. O público fiel ao programa, chamado de telespectador regular, era de 48% em abril de 1998 e cresceu para 67% em agosto de 1999.
No último ano, o "Domingão" venceu no Ibope em mais de dois terços de suas edições. E Fausto Silva é apontado como o apresentador preferido, com votação duas vezes maior do que a do segundo colocado.
A pesquisa confirma nosso conceito e o decálogo, além de desmentir a tese de que TV popular é necessariamente de baixa qualidade. Ela mostra também que estamos no caminho certo ao convidar o coletivo a opinar e a ajudar a fazer o programa, transformando-o em telespectador ativo e dele extraindo nossas atrações, como é o caso de Júnior.
A nossa opção literal é pelo receptor fazendo TV mais do que vendo TV. Queremos um programa em permanente mudança, afinado com seu tempo e seu telespectador, em vez de um modelo acabado e concebido em gabinete.


Alberto Luchetti é diretor da Rede Globo de Televisão




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