São Paulo, Domingo, 17 de Outubro de 1999
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Amélia Braga


Programas femininos, como o "Mais Você", que estréia amanhã, só falam de culinária, beleza, sexo e consumo, fazendo com que as próprias mulheres os rejeitem, como mostra pesquisa feita em São Paulo
da Reportagem Local

Amanhã, com a estréia do "Mais Você", de Ana Maria Braga, a TV aberta brasileira passa a exibir mais de 12 horas diárias de programas dedicados à mulher. Isso sem contar, é claro, a Rede Mulher, que dedica praticamente toda sua programação à audiência feminina.
Apesar de todo esse tempo, o cardápio é invariavelmente o mesmo: dicas de culinária, artesanato, beleza, consultório médico e sentimental e entrevistas num sofá.
O resultado disso é que as próprias mulheres consideram machista a "programação feminina" da TV, segundo estudo feito com 378 mulheres pela CPM - Market Research para a ONG TVer.
A insatisfação acontece porque os programas têm praticamente a mesma fórmula há décadas. Segundo Oriana White, diretora do instituto de pesquisa, as entrevistadas reclamam que faltam produções mais elaboradas.
"A maioria está presa a sofás e a conversas intermináveis, que transformam os programas femininos em atrações chatas e pobres. As donas-de-casa têm uma sofisticação visual elevada, pedindo outro tipo de programa, mais elaborado, rápido, multidisciplinar e interativo", afirma ela.
Na pesquisa, declarações de entrevistadas mostram a insatisfação das telespectadoras: "Programa de mulher em geral é um saco. Ficam cozinhando, falando um monte de bobagem. Não informam sobre economia e história".
Segundo a pesquisa, 76% das mulheres acham que a programação atual não atende adequadamente suas necessidades. As entrevistadas também vêem a TV como um veículo que impõe modismos, estimula o consumo e exibe a mulher como um objeto sexual.
Outra reclamação frequente é quanto ao horário dos programas femininos, que vão ao ar geralmente pela manhã ou à tarde, de modo que as mulheres que trabalham se sentem excluídas.
Se a programação feminina da TV fosse a única fonte de informação para as mulheres, elas seriam hoje iguais às dos anos 50, as "Amélias", aquelas que só se preocupam em lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa e servir o marido.
Preocupados com isso -mas não muito-, é com base em pesquisas que os diretores dos programas femininos tentam introduzir inovações e torná-los menos machistas, mais adaptados a uma mulher mais moderna e atual. "Estamos colocando quadros novos no programa para dar agilidade. As principais mudanças foram a saída do artesanato inútil, que não gera negócios, e a reformulação do quadro de culinária, que agora é voltado para dar dinheiro", afirma Silvio Alimari, gerente-geral de operações e produção da Gazeta, que exibe diariamente o programa "Mulheres".
Alimari admite, porém, que o matutino "Pra Você" ainda é bem "machista". "Lá, reunimos o que não está no "Mulheres': merchandising, culinária e dicas de economia doméstica. Não há artistas."
"Meu programa não é machista só porque tem como base a culinária. No "Note & Anote", na Record, 35% dos meus telespectadores eram homens. Eles também usam receitas para montar negócios", garante Ana Maria Braga. "O programa é uma revista diária, vai seguir a atualidade."
Duda Molinos, cabeleireiro e maquiador que terá um quadro de beleza no "Mais Você", não abre tanto o espectro de sua audiência. Seu quadro não tem o menor interesse para os homens, e nem é essa a idéia. "Vou dar dicas para as donas-de-casa, que já pararam de trabalhar, e para as mulheres que trabalham fora", diz.

"Mais Você"
Depois de passar mais de seis meses fora do vídeo, Ana Maria Braga manterá na Globo as principais características que lhe renderam fama no "Note & Anote", que comandou na Record por seis anos, até deixar a emissora em abril. Lá, o programa dava uma audiência média de seis pontos -cada ponto representa cerca de 80 mil telespectadores na Grande São Paulo. Hoje, com Cátia Fonseca, registra média de cinco pontos.
Seu desafio agora é superar a audiência de 16 pontos do "Vídeo Show", que passa a ser exibido às 13h25, e produzir um programa atrativo para quem está em casa nessa hora.
O "Mais Você" vai ao ar às 13h45, e seu cenário é praticamente o mesmo do que o usado pela Record: uma casa sem divisões, onde os destaques são a cozinha e o sofá. O Louro José, interpretado por Tom Veiga, terá um jardim só seu, mas circulará pelo cenário.
Como diferencial, a apresentadora contará com quatro colunistas fixos: Glória Kalil, consultora de moda, Duda Molinos, consultor de beleza, Leonardo Fraiman, psicólogo, que terá o quadro "Caixinha de Segredos", e Carlos Heitor Cony, que produzirá crônicas.
"Vamos dar dicas de como se vestir, além de tendências. Um dos pilotos foi sobre a moda no bairro do Bom Retiro, em São Paulo", afirma Glória. Ela produzirá seu quadro com base nas perguntas que recebe nas palestras que faz pelo país.
Molinos acredita que sua função é "ajudar a mulher a contornar os defeitos e entrar no novo milênio mais segura e bonita".
"Nosso programa é uma arquitetura aberta. Tudo pode mudar. Para isso, contamos com a força de Ana Maria", afirma Luiz Gleiser, diretor-geral do programa.
Reportagens farão parte do "Mais Você". Evaristo Costa, Lucia Soares e Regina de Lemos farão reportagens sobre carreiras, defesa do consumidor e economia.
A parte de culinária será feita por culinaristas escolhidas pela apresentadora, por chefs famosos, além de artistas que devem participar do programa. Tudo isso estará no site www.maisvoce.com.br.
No "Note & Anote", Ana Maria tinha dez pessoas para produzir cinco horas diárias. Na Globo, a equipe tem mais de 35 pessoas para cerca de uma hora de programa.
Para a apresentadora, seu programa é um suco concentrado. "Estaria mentindo se falasse que estou contente em ficar só uma hora no ar, mas na Globo é muito. Há novelas que não ficam uma hora", confessa Ana Maria. (AS)



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