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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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Crítica

Papo boleiro

JOSÉ GERALDO COUTO

A VELHA mesa-redonda futebolística de domingo à noite não é mais aquela. Se houve um gênero televisivo que se diversificou em busca de novos segmentos de público, foi o dos programas esportivos.
Tanto na TV aberta como na paga, proliferam os concorrentes do final de domingo esportivo. Há o "Terceiro Tempo" (Record), o "Bola na Rede" (Rede TV!), o "Rock Gol" (MTV) e, claro, a eterna "Mesa-Redonda" da Gazeta, talvez a última representante do formato clássico do gênero. O congestionamento é tão grande que, para escapar dele, um programa tradicional como o "Cartão Verde", da Cultura, foi transferido para a segunda-feira. Na TV paga, a situação é parecida. O recém-criado "Bem, Amigos" (Sportv), comandado por Galvão Bueno, também optou pela segunda-feira, para competir com o sólido "Linha de Passe", do ESPN Brasil.
Os novos programas -e os velhos, reciclados- tornaram-se quase shows de variedades, com o aparente objetivo de atrair dois públicos até então refratários ao papo boleiro: os jovens e as mulheres. Cada um aponta para um lado. O "Rock Gol", evidentemente, busca uma ponte entre o futebol e a cultura pop. Suas principais armas são a presença de personalidades desses dois universos, uma edição ágil e o humor anárquico e metalinguístico dos apresentadores Marco Bianchi e Paulo Bonfá.
Comandado por Juca Kfouri e pelo ex-jogador Sócrates, o "Bola na Rede" centra seu foco nos bastidores do futebol e costuma ter entre seus convidados escritores, economistas e dirigentes esportivos. Os jogadores que eventualmente participam da mesa ficam em geral um tanto intimidados pela douta conversa. No outro extremo, o "Terceiro Tempo", de Milton Neves, lembra um programa de auditório em que cabe um pouco de tudo: do melodrama do tipo "Esta é sua vida" a shows musicais protagonizados por jogadores, fofocas extra-campo, gozações generalizadas e uma avalanche de merchandising.
Com exceção do merchandising, os mesmos elementos aparecem no novo "Bem, Amigos", que também conta, entre seus convidados, com técnicos, ex-árbitros e músicos populares, e investe pretensamente no bom humor. A diferença é que o autoritarismo centralizador do mestre de cerimônias Galvão Bueno acaba por cercear a informalidade anunciada. Outro dia, ele tratou os convidados Paulinho da Viola e Toquinho como se fossem músicos contratados para tocar no seu bar.
Claro que, em todos esses casos, persiste em alguma medida o "núcleo duro" dos programas do gênero: uma certa representação de papéis por parte dos debatedores (o enciclopédico, o gozador, o corintiano, o palmeirense, o polêmico, o diplomata etc.), um festival de lugares-comuns e aquelas intermináveis discussões sobre se foi pênalti ou não, se Fulano estava ou não impedido, se Beltrano é melhor que Sicrano etc. Ou seja: aquele pequeno circo que ainda provoca urticária em tantas esposas e que foi magistralmente satirizado no filme "Boleiros", de Ugo Giorgetti. De alguma maneira, esse circo cumpre alguma função -senão não duraria tanto e não daria tantos rebentos-, que talvez seja a de realçar a dimensão do futebol, entre nós, como teatro da vida.


A COLUNISTA BIA ABRAMO ESTÁ EM LICENÇA


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