São Paulo, Domingo, 19 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sem censura

O TV Folha publica a seguir o artigo do representante do SBT, dentro da série de textos escritos por dirigentes das principais emissoras do país sobre qualidade e ética na TV.

JOSÉ ROBERTO MALUF
especial para a Folha

De uma posição amplamente controlada pelos serviços federais de censura passamos à liberdade total com a Constituição Federal de 1988. A abertura e a busca desenfreada de audiência geraram algum exagero, e a televisão passou a não se preocupar com qualquer restrição em seus programas. Em seguida evoluiu para alguns controles internos, muito mais preocupada com a responsabilização pelos danos morais que pudesse causar do que com o que se convencionou chamar de qualidade de programação.
Ao invés de enviar fitas de suas produções para a censura prévia, a emissora passou a mostrar sinopses para apreciação do Ministério da Justiça, apenas para classificação do horário mais adequado a crianças e adolescentes, os mais sujeitos a desvios de informação e formação.
Em razão dos abusos, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e alguns movimentos civis vêm mostrando desagrado e tomando posição em busca daquilo que entendem ser uma melhora qualitativa do que o brasileiro pode e deve assistir em sua televisão.
Para que as emissoras adotem alguma forma de controle em sua programação, são feitas até mesmo insinuações, veladas embora, propondo que a futura lei de comunicação de massa possa conter dispositivos restritivos, ou melhor, uma nova censura, o que é absolutamente inadmissível e inconstitucional. Mas as emissoras precisam mostrar interesse em conter os excessos.
Fazendo um breve parênteses, alguns articulistas vêm fazendo do "Programa do Ratinho" a palmatória da televisão brasileira, sob alegação de falta de qualidade. Certamente não têm assistido ao programa ultimamente. Deixando de lado alguns exageros, inclusive de linguagem, o programa tem se dedicado à diversão pura (como os calouros), às campanhas sociais (como a perfuração de 4.000 poços artesianos no Nordeste brasileiro) e às denúncias de toda sorte de irregularidades (como a daquele prefeito que não permitiu a perfuração de um poço artesiano porque ele próprio era dono do único caminhão-pipa que abastecia a cidade, e a venda de crianças brasileiras para o exterior).
Os mesmos articulistas raramente se ocupam das tramas de algumas novelas que pregam homossexualismo, promiscuidade social e sexual, desvios de conduta empresarial e outras mazelas, muitas vezes desatreladas de nossa realidade, como se isso fosse altamente qualificado e bom para a formação do caráter.
De volta ao tema, o ideal é seguir o caminho da implantação do V-chip, dispositivo que permite aos pais escolher ou vetar a programação que seus filhos podem assistir. E é esse o público a quem se deve oferecer os maiores cuidados quanto ao conteúdo dos programas.
Durante muitos anos, os americanos discutiram que mal efetivamente poderia trazer à criança uma programação com filmes violentos, sexo, brigas e discussões nos canais de televisão. Os argumentos a favor e contra, as pesquisas, exames e estudos, soluções e consequências, por não chegarem a uma posição clara e definida, desembocaram no V-chip. Em dois anos, os novos televisores a serem vendidos ao público norte-americano já virão com o novo dispositivo.
Entre nós, enquanto não temos disponível o V-chip, é preciso encontrar algum controle quanto à qualidade dos programas e coibição dos abusos.
Uma das propostas ouvidas deixaria a cargo de cada emissora/rede apresentar texto com uma declaração de princípios e de autoregulamentação interna. Funciona em algumas empresas no exterior (BBC, por exemplo) mas seria inócua entre nós. Nenhuma televisão se autopuniria, em caso de transgressão. Será mais eficaz e adequado fazer valer o que dispõe o Código de Ética da Radiodifusão, elaborado no seio da Abert, há alguns anos, firmado pelas empresas de televisão. Nele constam regras atuais e aplicáveis. O que falta é vontade das empresas na sua aplicação.
Em dois momentos houve um arremedo de avanço no setor. Primeiro, no início dos anos 90, quando foi instalado em São Paulo o Cepart (Conselho de Ética do Rádio e da Televisão), integrado por pessoas indicadas por todas as televisões e que se reunia uma vez por mês para receber propostas e denúncias tendo por objeto os programas de televisão, examinar se feriam aspectos morais e legais, discutir os assuntos com as emissoras e propor medidas que viessem a eventualmente modificar um ou outro programa.
Na primeira oportunidade em que um programa ia ser examinado, a emissora envolvida, alegando que não admitia ingerência em sua programação, propôs a extinção pura e simples do Conselho. O Código de Ética da Radiodifusão continuou como está até hoje: uma ou outra vez, diante de uma denúncia mais forte, o assunto é levado à diretoria da Abert.
Num outro momento, por volta de 1996, ainda no seio da Abert, e por solicitação de uma das emissoras-sócias, foram adotados procedimentos para a criação de um organismo no Brasil semelhante à Academia Americana de Televisão. Não só teria o objetivo de examinar a programação de todas, como dar os grandes prêmios para as diversas categorias dos programas produzidos no país e também aos atores, produtores, diretores, roteiristas etc.
A mesma emissora que propôs a criação -que foi aceita pelas demais- recuou sob a mesma alegação anterior: não permitiria interferência em sua programação.
A solução proposta para agora é simples: atualizar o Código de Ética da Radiodifusão, afastando alguns de seus itens ultrapassados, adicionando outros ajustados aos nossos dias, inclusive dois, essenciais e sem os quais não adianta qualquer tipo de codificação. O primeiro deles é o estabelecimento de uma pena pecuniária para a emissora infratora, e o segundo é a forma de apuração da eventual infração. Para ambos, fizemos sugestões, em discussão, e que, oportunamente, serão dadas a público.
Mas, para isso, as televisões devem se sentar à mesa e conversar. Deixar de lado suas diferenças e ter vontade de dar um rumo comum àquilo que é de interesse comum. Caso contrário, as insinuações podem vir a se tornar realidade.


JOSÉ ROBERTO H. MALUF é vice-presidente do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão).


Texto Anterior: Qualidade de vida: Entidade propõe vida sem a TV
Próximo Texto: No forno: Ana Maria pode perder lado brega
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.