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Sem censura
O TV Folha publica a seguir o artigo do representante
do SBT, dentro da
série de textos escritos por dirigentes
das principais emissoras do país
sobre qualidade e ética na TV.
JOSÉ ROBERTO MALUF
especial para a Folha
De uma posição amplamente
controlada pelos serviços federais
de censura passamos à liberdade
total com a Constituição Federal
de 1988. A abertura e a busca desenfreada de audiência geraram
algum exagero, e a televisão passou a não se preocupar com qualquer restrição em seus programas. Em seguida evoluiu para alguns controles internos, muito
mais preocupada com a responsabilização pelos danos morais
que pudesse causar do que com o
que se convencionou chamar de
qualidade de programação.
Ao invés de enviar fitas de suas
produções para a censura prévia,
a emissora passou a mostrar sinopses para apreciação do Ministério da Justiça, apenas para classificação do horário mais adequado a crianças e adolescentes, os
mais sujeitos a desvios de informação e formação.
Em razão dos abusos, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos e alguns movimentos civis
vêm mostrando desagrado e tomando posição em busca daquilo
que entendem ser uma melhora
qualitativa do que o brasileiro pode e deve assistir em sua televisão.
Para que as emissoras adotem
alguma forma de controle em sua
programação, são feitas até mesmo insinuações, veladas embora,
propondo que a futura lei de comunicação de massa possa conter
dispositivos restritivos, ou melhor, uma nova censura, o que é
absolutamente inadmissível e inconstitucional. Mas as emissoras
precisam mostrar interesse em
conter os excessos.
Fazendo um breve parênteses,
alguns articulistas vêm fazendo
do "Programa do Ratinho" a palmatória da televisão brasileira,
sob alegação de falta de qualidade. Certamente não têm assistido
ao programa ultimamente. Deixando de lado alguns exageros,
inclusive de linguagem, o programa tem se dedicado à diversão
pura (como os calouros), às campanhas sociais (como a perfuração de 4.000 poços artesianos no
Nordeste brasileiro) e às denúncias de toda sorte de irregularidades (como a daquele prefeito que
não permitiu a perfuração de um
poço artesiano porque ele próprio
era dono do único caminhão-pipa que abastecia a cidade, e a venda de crianças brasileiras para o
exterior).
Os mesmos articulistas raramente se ocupam das tramas de
algumas novelas que pregam homossexualismo, promiscuidade
social e sexual, desvios de conduta empresarial e outras mazelas,
muitas vezes desatreladas de nossa realidade, como se isso fosse altamente qualificado e bom para a
formação do caráter.
De volta ao tema, o ideal é seguir
o caminho da implantação do V-chip, dispositivo que permite aos
pais escolher ou vetar a programação que seus filhos podem assistir. E é esse o público a quem se
deve oferecer os maiores cuidados quanto ao conteúdo dos programas.
Durante muitos anos, os americanos discutiram que mal efetivamente poderia trazer à criança
uma programação com filmes
violentos, sexo, brigas e discussões nos canais de televisão. Os
argumentos a favor e contra, as
pesquisas, exames e estudos, soluções e consequências, por não
chegarem a uma posição clara e
definida, desembocaram no V-chip. Em dois anos, os novos televisores a serem vendidos ao público norte-americano já virão
com o novo dispositivo.
Entre nós, enquanto não temos
disponível o V-chip, é preciso encontrar algum controle quanto à
qualidade dos programas e coibição dos abusos.
Uma das propostas ouvidas deixaria a cargo de cada emissora/rede apresentar texto com uma declaração de princípios e de autoregulamentação interna. Funciona em algumas empresas no exterior (BBC, por exemplo) mas seria inócua entre nós. Nenhuma
televisão se autopuniria, em caso
de transgressão. Será mais eficaz e
adequado fazer valer o que dispõe
o Código de Ética da Radiodifusão, elaborado no seio da Abert,
há alguns anos, firmado pelas empresas de televisão. Nele constam
regras atuais e aplicáveis. O que
falta é vontade das empresas na
sua aplicação.
Em dois momentos houve um
arremedo de avanço no setor. Primeiro, no início dos anos 90,
quando foi instalado em São Paulo o Cepart (Conselho de Ética do
Rádio e da Televisão), integrado
por pessoas indicadas por todas
as televisões e que se reunia uma
vez por mês para receber propostas e denúncias tendo por objeto
os programas de televisão, examinar se feriam aspectos morais e legais, discutir os assuntos com as
emissoras e propor medidas que
viessem a eventualmente modificar um ou outro programa.
Na primeira oportunidade em
que um programa ia ser examinado, a emissora envolvida, alegando que não admitia ingerência em
sua programação, propôs a extinção pura e simples do Conselho.
O Código de Ética da Radiodifusão continuou como está até hoje:
uma ou outra vez, diante de uma
denúncia mais forte, o assunto é
levado à diretoria da Abert.
Num outro momento, por volta
de 1996, ainda no seio da Abert, e
por solicitação de uma das emissoras-sócias, foram adotados procedimentos para a criação de um
organismo no Brasil semelhante à
Academia Americana de Televisão. Não só teria o objetivo de
examinar a programação de todas, como dar os grandes prêmios
para as diversas categorias dos
programas produzidos no país e
também aos atores, produtores,
diretores, roteiristas etc.
A mesma emissora que propôs
a criação -que foi aceita pelas
demais- recuou sob a mesma
alegação anterior: não permitiria
interferência em sua programação.
A solução proposta para agora é
simples: atualizar o Código de Ética da Radiodifusão, afastando alguns de seus itens ultrapassados,
adicionando outros ajustados aos
nossos dias, inclusive dois, essenciais e sem os quais não adianta
qualquer tipo de codificação. O
primeiro deles é o estabelecimento de uma pena pecuniária para a
emissora infratora, e o segundo é
a forma de apuração da eventual
infração. Para ambos, fizemos sugestões, em discussão, e que,
oportunamente, serão dadas a
público.
Mas, para isso, as televisões devem se sentar à mesa e conversar.
Deixar de lado suas diferenças e
ter vontade de dar um rumo comum àquilo que é de interesse comum. Caso contrário, as insinuações podem vir a se tornar realidade.
JOSÉ ROBERTO H. MALUF é vice-presidente do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão).
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