São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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CRÍTICA

Não é o Conar que vai nos proteger

EUGÊNIO BUCCI

O CONAR é o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. É uma entidade do mercado publicitário. Segundo a auto-apresentação publicitária que o próprio Conar faz de si em anúncios veiculados na imprensa, ele é "um órgão criado por agências, anunciantes e veículos para zelar pelos limites éticos da comunicação comercial". Nessa auto-apresentação publicitária, o "órgão" promete proteger o consumidor: "Se algum dia um anúncio ofender sua família, defenda-se: faça uma queixa ao Conar. Você vai evitar que outros consumidores também se sintam prejudicados ou ofendidos, e vai ajudar a elevar cada vez mais o nível da propaganda brasileira".
Escrevo aqui com alguma ironia, admito, mas quero deixar claro, logo de saída, que o Conar deve ser bem recebido. Pelo menos é uma entidade disposta a ouvir reclamações. Antes, quando via uma imagem ofensiva na TV, o sujeito não tinha a quem protestar. Ao bispo, talvez, e olhe lá. A TV comercial é, e sempre foi, uma instância inacessível aos reclamos do cidadão. As emissoras comerciais não têm nem ombudsman. Elas nunca dão voz (nem direito de imagem) aos que criticam seus programas. Só escutam o público, quando escutam, naqueles quadros tolos, chamados de "interativos", em que pululam perguntas irrelevantes: "Qual o final que você escolhe?", "Que filme você quer ver amanhã?", "Você quer comprar este jogo de faca em três ou quatro vezes no cartão?". São perguntas da ordem do consumo e do entretenimento; não tocam, nunca, nos desvios éticos que a TV não cansa de praticar e estimular. Quando se trata de debater sua própria conduta ética, quando se trata de debater os direitos dos telespectadores, bem, aí é inútil contar com os ouvidos e com a sensibilidade da TV comercial.
De uns tempos para cá, pelo menos, existe o Conar. A publicidade abusou? Tem uma mensagem racista? É preconceituosa? Nesses casos, ele pode ser eficaz. Já é alguma coisa. Melhor que nada.
Ao mesmo tempo, é pouco, muito pouco. Por quê? Muito simples. O Conar não visa proteger a integridade do telespectador nem a dignidade do cidadão. Ele existe para proteger uma coisa só: a credibilidade do discurso publicitário. Ele protege a publicidade da má publicidade. Se recomenda que uma determinada campanha saia do ar, é menos para fazer respeitar os direitos humanos e mais para evitar que a publicidade perca sua autoridade aos olhos do público. Parece uma reles sutileza, mas é uma sutileza crucial. Pode haver uma coincidência entre evitar abusos que desgastem a imagem da instituição da propaganda e proteger a dignidade humana, mas é apenas isso, uma coincidência de momento. Nem tudo que é bom para a imagem da publicidade é sempre bom para o cidadão. Às vezes, pode mesmo haver contradições profundas aí. O Conar apenas defende a boa imagem da publicidade. O seu interesse fundamental é fortalecer o mercado anunciante e, para isso, ele sabe, e faz saber, que a credibilidade é indispensável. Aparecendo como defensor do cidadão indefeso, o Conar ajuda a melhorar o conceito que a sociedade tem do negócio da propaganda. É só disso que se trata.
É claro que o Conar ajuda a difundir valores éticos e os direitos do público diante da publicidade e da TV. Mas não é o pronto-socorro do cidadão ofendido. Se fosse, estaríamos privatizando perigosamente a defesa da cidadania, que não pode ficar a cargo de "um órgão criado por agências, anunciantes e veículos". A defesa do cidadão é assunto de interesse público, é função pública e deve contar com instâncias e entidades de natureza pública (que, ou não existem, ou não são acionadas).
Eu repito: o Conar é bem-vindo. É um fator de educação dos publicitários, o que é necessário e urgente. Mas ele não é e nem poderia ser o defensor do cidadão.


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