São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2000


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FOLIA DA FAMA
Atores, jogadores e personalidades roubam espaço dos sambistas no Carnaval e pegam carona na maior festa popular brasileira para brilhar na TV
Artistas tiram dez no quesito exibição

Patrícia fernandes/Folha Imagem
Joana Prado, a Feiticeira, desfilará no Rio (pela Salgueiro), em São Paulo (na Vai-Vai), e é convidada de um camarote em Salvador


ALEXANDRE MARON
DA SUCURSAL DO RIO

BRUNO GARCEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O CARNAVAL sempre foi conhecido mundialmente como a maior festa popular brasileira. Mas os sambódromos se tornaram territórios ocupados por atores, modelos, pagodeiros e jogadores de futebol, ofuscando as pessoas das comunidades das escolas de samba.
Fica cada vez mais difícil surgirem nomes como o da mulata Adele Fátima, ou o da passista Piná, da Beija-Flor, que dançou com o príncipe Charles no início dos anos 80 e ganhou fama internacional. Para completar, com o aumento da visibilidade dos carnavais de São Paulo e de Salvador, a sensação é a de que alguns artistas estarão em todos os lugares ao mesmo tempo, tudo por alguns momentos de exibição na TV.
O ator Miguel Falabella é um dos que estará em toda parte no Carnaval. Além de desfilar no Rio na Unidos da Tijuca e na Grande Rio, ele sairá também, pelo terceiro ano consecutivo, na Nenê da Vila Matilde, em São Paulo. Falabella é dos poucos atores familiarizados com o dia-a-dia de uma escola de samba, visto que já foi carnavalesco da Império da Tijuca. Mas trata-se da exceção em um meio em que prevalecem os exibicionistas.
Uma das pessoas que mais entende do ofício de se exibir no Brasil, Adriane Galisteu, ensina que a melhor coisa no Carnaval é sair em um lugar só. Ter fidelidade. "Você tem que ter identidade. Usar o Carnaval para aparecer em todos os lugares é ruim para a imagem. Escola de samba é que nem time de futebol, não se troca. Quero estar na Portela até me considerarem da velha-guarda", brinca ela.
Mas é justamente a velha-guarda que não aprecia a "onipresença" de artistas na avenida. O pesquisador e compositor Hermínio Bello de Carvalho diz que participar do Carnaval é direito de todos.
"Mas o que ocorre é uma interferência. A escola deixa de homenagear pessoas importantes de sua história para dar lugar aos artistas. Já assisti a transmissões de desfiles pela TV em que o narrador ignorava passistas lendárias e só tinha olhos para os famosos da TV. É triste ver que uma bunda está tirando espaço da dona Zica e da dona Neuma", comenta, referindo-se a figuras lendárias da Estação Primeira de Mangueira.
Segundo Hermínio, a participação de artistas pode até ser nociva. "No ano passado, quando desfilava pela Mangueira, Carla Perez parou para ajeitar o sapato na avenida e acabou fazendo com que a escola perdesse pontos."
Alheia às críticas, Carla Perez voltará a desfilar na Mangueira. Além de sair no fim-de-semana no bloco Algodão Doce, em Salvador, voará ao Rio em um jatinho, chegando a tempo do desfile mangueirense. Por sinal, a única escola de samba do Rio em que aparecerá.
O esforço é válido. A Globo exibirá o desfile em rede nacional, entre o "Jornal Nacional" e a novela "Terra Nostra". "Não faço isso para aparecer. É claro que é bom para um artista ser visto em um carro alegórico da Mangueira. Me divirto e o que vier é lucro", diz Carla.
A musa do Carnaval do ano passado, Suzana Alves, a Tiazinha, será capaz de uma façanha ainda mais ousada do que a ponte aérea Salvador-Rio. Irá cruzar o oceano Atlântico. Ela virá de Portugal, onde terá desfilado como a rainha do Carnaval. Como ela sabe que isso não dá repercussão, chega na segunda à noite, poucas horas antes de sair no último carro da Beija-Flor. "O Carnaval é muito importante para mim. Foi essa festa que me deu fama internacional", diz Suzana.
Sua sucessora no trono de musa, Joana Prado, a Feiticeira, sabe que essa exposição é mesmo importante. Ela esteve envolvida em uma confusão entre a Mangueira e o Salgueiro e acabou optando por desfilar na última, em um carro no qual sua fantasia de odalisca e o indefectível véu não causariam problemas.
Ela acha que "todo ano tem uma que será a bola da vez" e que o Carnaval dá visibilidade internacional. "Nunca desfilei nem fui a um desfile. O que me emociona é saber que o mundo inteiro vai estar me vendo. Vou acabar chorando."
Joana terá outro motivo para chorar. A Globo só exibirá o desfile da Salgueiro para o Rio, enquanto o resto do Brasil assistirá a um capítulo de "Terra Nostra".
Além da emoção, Joana enfrentará ainda o cansaço, já que desfilará também na Vai-Vai, de São Paulo, fará reportagens para a Band, em Salvador, e, como se não bastasse, tem presença confirmada no camarote soteropolitano da Ericson/Maxitel, por sinal, abarrotado de artistas (veja o quadro ao lado).
Neste ano, Salvador tornou-se o destino certo de vários atores. Luana Piovani é madrinha de um bloco local, o Coruja, além de ser convidada do camarote da Ericson/Maxitel, que tem como sócio o ator e modelo Luciano Szafir.
Alguns carnavalescos vêem oportunismo na atitude dos artistas. "Eles aparecem na TV o ano todo e ainda querem o nosso espaço. A escola não tem condições de ficar bancando as fantasias deles, que ganham um bom dinheiro e ainda querem as roupas de graça", diz Renato Lage, da Mocidade Independente.
Os destaques das escolas, que vestem justamente as fantasias mais caras, com um preço médio próximo aos R$ 10 mil, não pagam nada. A atriz Danielle Winits, por exemplo, será a madrinha da bateria da Unidos de Vila Isabel, usando uma fantasia que custa, de acordo com a escola, R$ 20 mil. Membros da comunidade, que trabalham no Carnaval de sua escola o ano todo, têm de pagar por suas fantasias entre R$ 130 e R$ 400.



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