São Paulo, Domingo, 27 de Junho de 1999
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CRÍTICA

Pagando mico

FRANCISCO MARTINS DA COSTA
Editor do TV Folha

Os preços da TV paga subiram recentemente e, com isso, fica cada vez mais difícil entender por que o assinante paga tanto por esse serviço.
Durante os anos dourados do negócio no Brasil, em 1996/97, as operadoras só acrescentavam canais aos seus "line ups", e notava-se um investimento em produções de qualidade.
Com a estagnação do número de assinantes, a alta do dólar e uma boa dose de desânimo nos executivos do setor, o que aconteceu nos últimos meses justifica uma boa reflexão a respeito da relação custo-benefício envolvida no ato de aderir a um dos sistemas disponíveis de TV paga.
Canais "de qualidade" hoje são uma pálida lembrança do que já foram. O GNT, por exemplo, virou um grande "Vale a Pena Ver de Novo", tal a quantidade de reprises. As produções nacionais como "Chatô, O Rei do Brasil", "Futebol", "O Velho - A Vida de Luís Carlos Prestes" e "Cinco Dias Que Abalaram o Brasil" atualmente são uma raridade - e, quando aparecem, são executadas com recursos perceptivelmente menores.
Um dos "destaques" da programação do canal em junho, por exemplo, foi a reapresentação de "Leila Três Vezes Diniz", documentário produzido na fase áurea do canal.
Outro canal da Globosat, o USA, deixou de exibir recentemente dois programas que eram alguns dos poucos destaques de sua grade: "Entertainment Tonight" e "Hard Copy". A justificativa é uma reestruturação na programação, mas os dois programas -sucesso absoluto nos EUA-só podem ter sido tirados do ar por razões financeiras. Prova disso é que já existem outros canais negociando a exibição desses programas no Brasil.
É duro compreender também por que o USA anuncia com tanto barulho a série "Xena" como um dos destaques de sua programação, se o SBT já exibe há anos -e de graça- o mesmo seriado, por sinal, lixo puro. Por que pagar por isso?
Complicada também é a situação dos canais de filmes e de notícias. O destaque dos canais Telecine neste mês foi a refilmagem de "O Chacal", com Bruce Willis, fracasso de bilheteria nos cinemas dos EUA e do Brasil que agora tem a chance de fracassar também na TV. Na HBO, a principal estréia foi "Força Aérea Um", filmeco de ação com Harrison Ford e Gary Oldman.
Nos canais de notícia, a Globo News tem que rever com urgência a função e o formato de seus boletins "Em Cima da Hora". Não dá para entender o que fazem notícias do sábado incluídas nos boletins da madrugada de domingo para segunda, por exemplo. Qual o sentido de reprisar uma reportagem do "Jornal Hoje" ou do "Jornal da Globo" nesses boletins sem acrescentar nada ao que já foi dito? Precisamos pagar para ver isso?
Na segunda-feira passada, por exemplo, ao exibir uma reportagem sobre a final do Campeonato Paulista, um desses boletins da madrugada foi incapaz de informar que o jogador Edílson havia sido cortado da seleção. Pior foi quando o "Em Cima da Hora" anunciou na noite da entrega do Oscar que "O Resgate do Soldado Ryan" havia sido o vencedor na categoria de melhor filme. Parecia que o boletim havia sido gravado previamente.
Mas o que não dá mesmo para engolir é o telejornalismo da CBS Telenotícias. O canal tem apenas uma repórter no Brasil (que fica no Rio). Quando São Paulo pára por causa das enchentes, a manchete dos informes produzidos em Miami é sempre sobre tufões de Oklahoma, ou a inauguração do novo aquário municipal de Orlando. Quando exibe alguma notícia do Brasil, usa material produzido pelo Canal 21, pela Band, pela TV Cultura ou pelo SBT. OK, então, por que pagar para ver isso, se essas emissoras são de sinal aberto por aqui? Para ver Leila Cordeiro entrevistar artistas brasileiros que vão terminar suas turnês em Miami, após já terem falado com todos os órgãos de imprensa no Brasil?
Vale também registrar aqui a situação insólita do canal Bravo Brasil, que podia ser uma excelente opção para rivalizar com o caótico Multishow (um balaio de gatos onde há de tudo, mas pouca coisa se salva). Com o fim da parceria entre a TVA programadora e a matriz norte-americana do Bravo, o canal virou o que é hoje, um mero retransmissor de um limitado acervo de filmes de arte e shows (muitos deles, excelentes, aliás). Tudo isso sem um nadinha de "cor local". Falta Brasil no Bravo Brasil.
Por essas e por outras razões é que se pode dizer que certo está Antônio Athayde, executivo pioneiro do setor de TV paga no Brasil, que disse recentemente que esse negócio simplesmente não deu certo no país. Se deu, foi para alguns poucos empresários do setor e telespectadores que se sentem satisfeitos com o modelo atual.
Os pacotes da TV paga são compostos por aquela meia dúzia de canais que são os da preferência do assinante e mais algumas dezenas de estações que não passam de puro "enchimento".
Com o número de assinantes em queda, esse é um dado a ser levado em consideração pelos operadores que criam os pacotes e pelas pessoas que pensam em se tornar assinantes.
O ideal seria a formação de pacotes "à la carte", montados de acordo com as necessidades do assinante. Impossível? O tempo dirá. Vamos ver até quando o modelo brasileiro vai resistir a essa tendência.



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