São Paulo, Domingo, 30 de Janeiro de 2000


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CRÍTICA

Tempo, tempo, tempo, tempo

Sérgio Dávila

O TEMPO que você perde lendo esta coluna eu perdi na última quarta-feira zapeando pela TV aberta brasileira. Comecei às 20h34. Queria ver como anda a principal e mais barata forma de lazer e informação do país. 50 anos de TV, 30 anos de Globo, eis o que vi:
Começo pela emissora carioca, pegando o boa-noite do "Jornal Nacional". Sorte minha. Quem acompanhou as seções de cartas da Folha nos últimos dias sabe do risco de falar mal do principal telejornal do país. Diz que os e-mails são de mais de metro.
Chamadas para "Terra Nostra". Ângela Vieira fala que mata "aquele carcamano" e um outro ator pergunta se uma pensão não aceita negros. É excelente a atual novela das oito -ótimo, não está tão mal a TV aberta, então.
Dois toques na tecla "chan" superior do controle remoto (por que é "chan", de "channel", e não "can", de "canal"? Por que é feito pela Jerrold Communications?), e o mundo cai como nos desabamentos de São Paulo: uma novela de quinta categoria, com um sub-Roberto Carlos na trilha e dois jovens atores, jovens demais, atores demais, maquiados demais. A abertura da coisa toda lembra a de "Pigmalião 70", pela modernidade.
Um intervalo comercial depois -em que um programa anuncia a presença do grupo de pagode Os Morenos e um jogo, cuja pergunta é "quem vai conseguir comer o morango"-, descubro que é a novela é "Tiro e Queda". Tudo isso na Record.
Alguns "channels" para lá, na CNT/Gazeta, um sósia de FHC (tem a mesma boca mole) pede dinheiro e fornece várias contas, muitas mesmo, em diversos bancos. O correntista é a Igreja Internacional da Graça de Deus. Num pequeno destaque, uma garota traduz o discurso do pastor em linguagem para deficientes auditivos, um luxo dispensável -bastava esfregar o polegar no dedo indicador uma, duas, dez vezes.
De novo a Record. Agora as atrizes Lucinha Lins e Mylla Christie discutem algo. Medo. Direto para a Bandeirantes, em que a Feiticeira domina o palco do "O+". A neochacrete está com a bunda e os peitos maiores do que no programa de ontem e maiores do que no da semana passada, numa progressão geométrica movida a clínica Santé que eventualmente a transformará na dona Redonda, de "Saramandaia".
Um "saci" dourado vence uma prova e receberá da Feiticeira um beijinho na orelha. E um CD da Feiticeira. E um caderno com a Feiticeira na capa (esse item explica por que Otaviano Costa disse que o novo programa seria mais cultural). Registro: no mesmo segundo, a Feiticeira da minha geração, a Samantha/Elizabeth Montgomery, dá trabalho ao marido na Rede TV!.
No SBT, uma placa no restaurante de um programa diz que a mesa está reservada aos senhores "Franco" e "Bernal". Franco é um Walter Mercado que passou na Daslu, a novela é mexicana, e as bocas e o som dublado que sai delas estão em fusos horários diferentes.
São 20h59. A Record anuncia o começo de "Ed Banana". Vai mal a TV aberta brasileira, 50.

No último sábado, o "Notícias Populares" estampou em manchete: ""N P" revela o passado secreto da índia Aigo; saiu pelada na "Sexy" e deu entrevista pornográfica". A reportagem, entre outras coisas, dizia que a atriz, a mais nova atração do programa "O+", posou nua para a revista hardcore em outubro do ano passado e falava em entrevista que era casada com um senhor de Belo Horizonte, que "na tribo, ninguém é de ninguém", que adorava fazer sexo oral, ficar por cima no sexo e bater nos homens. Dizia também que nunca usou lingerie, tem vontade de transar com mulher, adora fazer sexo no mato e com pessoas assistindo.
Lembre os perfis e entrevistas rasos e baba-ovo que pipocaram quando da contratação da menina pela Band, há algumas semanas. A "Sexy" não é da década de 60, mas de outubro de 1999, pouco mais de dois meses atrás. Não ter memória é uma coisa, mas isso é ridículo.

No último domingo, as séries televisivas "Família Soprano" e "Sex and the City", ambas exibidas atualmente pela HBO brasileira, foram as mais premiadas no Globo de Ouro. O prêmio em si é uma bobagem (um pesquisador sério ainda deve ao mundo a relação prêmio/ habitante nos EUA; deve dar algo como 3 para 1), as séries não: são dois dos melhores programas no ar hoje em dia.
"Ed Banana", "Tiro e Queda" e "O+" não concorreram.


O colunista Fernando de Barros e Silva está em férias.

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