|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Tempo, tempo, tempo, tempo
Sérgio Dávila
O TEMPO que você perde lendo esta coluna eu
perdi na última quarta-feira zapeando pela TV
aberta brasileira. Comecei às 20h34. Queria
ver como anda a principal e mais barata forma
de lazer e informação do país. 50 anos de TV, 30 anos de
Globo, eis o que vi:
Começo pela emissora carioca, pegando o boa-noite
do "Jornal Nacional". Sorte minha. Quem acompanhou
as seções de cartas da Folha nos últimos dias sabe do
risco de falar mal do principal telejornal do país. Diz que
os e-mails são de mais de metro.
Chamadas para "Terra Nostra". Ângela Vieira fala que mata "aquele carcamano" e um outro ator pergunta se
uma pensão não aceita negros. É excelente a atual novela das oito -ótimo,
não está tão mal a TV aberta, então.
Dois toques na tecla "chan" superior do controle remoto (por que é
"chan", de "channel", e não "can", de
"canal"? Por que é feito pela Jerrold
Communications?), e o mundo cai como nos desabamentos de São Paulo:
uma novela de quinta categoria, com
um sub-Roberto Carlos na trilha e
dois jovens atores, jovens demais, atores demais, maquiados demais. A
abertura da coisa toda lembra a de
"Pigmalião 70", pela modernidade.
Um intervalo comercial depois
-em que um programa anuncia a
presença do grupo de pagode Os Morenos e um jogo, cuja pergunta é
"quem vai conseguir comer o morango"-, descubro que é a novela é "Tiro e Queda". Tudo isso na Record.
Alguns "channels" para lá, na
CNT/Gazeta, um sósia de FHC (tem a mesma boca mole) pede dinheiro e fornece várias contas, muitas mesmo, em diversos bancos. O correntista é a Igreja Internacional da Graça de Deus. Num pequeno destaque,
uma garota traduz o discurso do pastor em linguagem
para deficientes auditivos, um luxo dispensável -bastava esfregar o polegar no dedo indicador uma, duas,
dez vezes.
De novo a Record. Agora as atrizes Lucinha Lins e
Mylla Christie discutem algo. Medo. Direto para a Bandeirantes, em que a Feiticeira domina o palco do "O+".
A neochacrete está com a bunda e os peitos maiores do
que no programa de ontem e maiores do que no da semana passada, numa progressão geométrica movida a
clínica Santé que eventualmente a transformará na dona Redonda, de "Saramandaia".
Um "saci" dourado vence uma prova e receberá da
Feiticeira um beijinho na orelha. E um CD da Feiticeira.
E um caderno com a Feiticeira na capa (esse item explica por que Otaviano Costa disse que o novo programa
seria mais cultural). Registro: no mesmo segundo, a Feiticeira da minha geração, a Samantha/Elizabeth Montgomery, dá trabalho ao marido na Rede TV!.
No SBT, uma placa no restaurante de um programa
diz que a mesa está reservada aos senhores "Franco" e
"Bernal". Franco é um Walter Mercado que passou na
Daslu, a novela é mexicana, e as bocas e o som dublado
que sai delas estão em fusos horários diferentes.
São 20h59. A Record anuncia
o começo de "Ed Banana". Vai
mal a TV aberta brasileira, 50.
No último sábado, o "Notícias
Populares" estampou em manchete: ""N P" revela o passado
secreto da índia Aigo; saiu pelada na "Sexy" e deu entrevista
pornográfica". A reportagem,
entre outras coisas, dizia que a
atriz, a mais nova atração do
programa "O+", posou nua para a revista hardcore em outubro do ano passado e falava em
entrevista que era casada com
um senhor de Belo Horizonte,
que "na tribo, ninguém é de
ninguém", que adorava fazer
sexo oral, ficar por cima no sexo
e bater nos homens. Dizia também que nunca usou lingerie,
tem vontade de transar com
mulher, adora fazer sexo no
mato e com pessoas assistindo.
Lembre os perfis e entrevistas
rasos e baba-ovo que pipocaram quando da contratação da menina pela Band, há algumas semanas. A "Sexy" não é da década de 60, mas de
outubro de 1999, pouco mais de dois meses atrás. Não
ter memória é uma coisa, mas isso é ridículo.
No último domingo, as séries televisivas "Família Soprano" e "Sex and the City", ambas exibidas atualmente
pela HBO brasileira, foram as mais premiadas no Globo
de Ouro. O prêmio em si é uma bobagem (um pesquisador sério ainda deve ao mundo a relação prêmio/ habitante nos EUA; deve dar algo como 3 para 1), as séries
não: são dois dos melhores programas no ar hoje em
dia.
"Ed Banana", "Tiro e Queda" e "O+" não concorreram.
O colunista Fernando de Barros e Silva está em férias.
Texto Anterior: Astrologia - Oscar Quiroga: A obrigação atinge todos, sejam ricos ou pobres, letrados ou iletrados Próximo Texto: Filmes de hoje Índice
|