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BARRADO NA GLOBO
"Fora do Ar' revela truques da TV
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
Se você acha que a mulata Globeleza só sabe sambar e exibir sua nudez em
tempos de Carnaval, está
muito enganado. Ela pode
também proferir com desenvoltura um belo discurso acadêmico sobre globalização. E se você pensa
que Carla Perez só desempenha no rebolado também errou, ela é capaz de
surpreender com um discurso sobre a força da gravidade nos corpos.
O discurso escolado das
duas dançarinas foi possível graças à existência de
um instrumento essencial
aos locutores e políticos,
mas invisível para o público: o teleprompter, tema
de um piloto do programa
"Fora do Ar", apresentado por Marcelo Tas, que a
Rede Globo produziu originalmente para o "Fantástico", mas que ironicamente não vai ao ar.
"Fora do Ar", como o
nome sugere, discute instrumentos de produção da
notícia e do discurso político que ficam atrás das câmeras. O piloto do programa que a Folha teve acesso
mostra, por exemplo, que,
quando não faz comentários sobre os bailarinos do
Bolshoi, Pedro Bial lê o
texto que apresenta as
atrações do próprio "Fantástico" com a ajuda do tal
teleprompter.
Infelizmente a emissora
desistiu de exibir o quadro
após tentativa de adaptá-lo
para o "Jornal da Globo".
A fita pirata do programa
que começa a circular de
mão em mão pode vir a se
tornar um objeto "cult".
Foi de mão em mão que
ficou conhecido o "South
Park", desenho animado
de produção caseira e independente que hoje se encontra entre os maiores
sucessos da TV a cabo
americana e que o canal
Multishow exibe no Brasil
desde maio.
"Fora do Ar" marca a
volta do Marcelo Tas entrevistador, que fez escola
como o repórter Ernesto
Varela.
Além de locutores para
quem o teleprompter é
instrumento necessário ao
desempenho da profissão,
"Fora do Ar" mostra entrevistas com políticos.
Surpreendendo candidatos ao tratar de temas distantes das polêmicas questões candentes que dominam o cenário, Tas obtém
declarações reveladoras.
ACM compartilha com o
repórter o seu ritual de
descontração diária à frente da novela das oito em
seu gabinete. Paulo Maluf,
explica com toda a boa
vontade os mecanismos
que permitem "lapidar"
qualquer pessoa para que
ela se transforme em político. Já Leonel Brizola deixa claro que para ele, política implica em convicção,
por isso políticos não deveriam usar o teleprompter, instrumento profissional dos apresentadores de
televisão. Mas Brizola admite que se preocupa com
o visual. Veste sempre uma
discreta camisa azul.
E em um grande momento do show, a equipe
do programa leva o teleprompter para uma praça
carioca, onde transeuntes
são instruídos, recebem
um banho de loja e toques
de empostação de voz para
interpretar discursos proferidos originalmente por
políticos como Benedita da
Silva, Jânio Quadros e Fernando Collor.
Moral da história, apresentada textualmente por
Tas logo de início: nem tudo que a televisão mostra é
de verdade. O que aparece
como a cabeça do ator-apresentador-criador, não
passa de uma imagem eletrônica, composta de milhões de pontinhos, e que
pode ser retirada e devolvida eletronicamente, sem
dor ou sangramento.
Marcelo decapitado explica ao telespectador que
o que estamos vendo não
necessariamente está
acontecendo no estúdio.
Os espectadores brasileiros são mestres em decodificar as convenções audiovisuais da televisão. Pesquisadores de mercado sabem que o público detecta
as sutilezas do proselitismo político. Mas o público
ainda desconhece as peças
que constroem a gramática televisiva.
"Fora do Ar" é um programa de TV iluminista, se
é que tal heterodoxia é
possível.
As sequências com políticos podem ser hilárias,
mas não trazem muita novidade. A ousadia de "Fora do Ar" está em ensinar
um pouco da gramática televisiva. "Fora do Ar"
torna segredos desse popular meio de comunicação acessíveis ao público
que cada vez mais sonha
com uma oportunidade de
participar do espetáculo.
"Fora do Ar" tem os ingredientes de um programa inteligente e popular,
uma combinação que surpreendentemente, ao que
parece, ainda assusta. O
programa tem o formato
dos "reality shows" sem
explorar intimidades e
sensacionalismos.
Um país em que poucos
lêem e muitos vêem TV só
teria a ganhar com um esforço estimulante de alfabetização televisual como
esse.
E-mail: ehamb@uol.com.br
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