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Minha História Luiz Rezende, 56

O bamba da avenida

(...) Faço por amor à escola, não há remuneração que pague (...) Cheguei ao final da avenida sem a pele das mãos, mas cheguei

RICARDO RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

RESUMO Ele não vê sua escola do coração desfilar e também não é notado pelo público que comparece às arquibancadas do Anhembi, em São Paulo. Uma vez por ano, o motorista Luiz Rezende, 56, troca a boleia do caminhão por um apertado e desafiador "cockpit" do samba. A caminho de seu 12º Carnaval como piloto de carro alegórico da X-9 Paulistana, Rezende coleciona histórias e alguns ferimentos de batalha.

Sou motorista profissional há mais de 30 anos. Dirijo caminhão todos os dias, o que facilita pilotar um veículo do tamanho do carro alegórico. Moro perto da quadra e faço por amor à escola. Não tem remuneração que pague.

Estava trabalhando na quadra para ajudar na montagem dos equipamentos e dos carros quando disseram que precisavam de gente para dirigir. Eu me ofereci e, de lá para cá, não parei mais. Este será o meu 12º Carnaval pela X-9 Paulistana.

É preciso ter muita atenção na pista. Eu nem vejo a escola passar. O local para o piloto é desconfortável, fica escondido, às vezes atrás de uma roda e bem colado ao chão. A gente está debaixo de todas aquelas alegorias.

O motorista, em geral, não tem visão. Tem de ir na sensibilidade. Há uma fita amarrada que vai raspando no chão e uma linha pintada no asfalto do Anhembi, que marca o centro da passarela. A gente dirige olhando para a fita e para a pista, tentando seguir o traço.

É um trabalho de muita responsabilidade. Um vacilo pode acabar com o Carnaval da escola. Se erramos a manobra, mesmo que por poucos centímetros, a escola poderá ser penalizada e até rebaixada.

Não podem surgir buracos que prejudiquem a harmonia das alas. Mas, às vezes, um carro fica para trás. Esse é o pesadelo de qualquer sambista. A adrenalina vai a milhão.

PNEU FURADO

No ano passado, nosso principal carro, o que encerraria o desfile, apareceu com o pneu furado a poucos minutos de entrar na avenida.

O Renato Aragão, tema do enredo, já estava no destaque mais alto. Era um carro que não podia ficar de fora.

A escola já tinha tomado quase toda a passarela. O cronômetro ia correndo. Entrei embaixo do carro, tomei o volante e disse: pode empurrar, que eu vou levar, nem que seja no braço!

Eram umas 60 pessoas empurrando. Normalmente, os carros sem motor precisam de 20 homens. Usamos rodas grandes, de caminhão, e a borracha deformada do pneu furado dava trancos a cada giro completado.

O carro inclinava para a direita e eu precisava corrigir o curso "na mão" a todo instante. O peso era enorme.

O volante ficava mais travado a cada metro e eu tinha que fazer mais força. Sentia minha mão sendo arranhada e via o sangue escorrer, mas sabia que não podia parar.

Cheguei no final da avenida sem a pele das mãos, mas cheguei. Cumpri o meu trabalho e completamos o desfile sem problemas. No fim das contas, é isso que importa.

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