São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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SAÚDE

Aroma é resultado da liberação de produtos químicos tóxicos; faltam estudos sobre impacto real na saúde das pessoas

Cheiro de carro novo só faz bem ao olfato

Fernando Moraes/Folha Imagem
Amanda de Souza, que gosta de sentir cheiro de novo no carro


ARMANDO PEREIRA FILHO
EDITOR-ASSISTENTE DE VEÍCULOS E CONSTRUÇÃO

Cheiro de carro novo é um dos prazeres que a estudante Amanda de Souza, 20, vem desfrutando desde que ganhou um automóvel do pai no começo do mês passado. "Gosto de carro zero porque tem garantia, é macio, não se ouve barulho. E o cheirinho de novo aqui dentro é ótimo."
O que ela não sabia é que essa desejada fragrância está ligada a elementos químicos que podem causar alergia, irritação e até câncer. "Nunca ouvi falar disso."
Plásticos, colas e tintas que compõem bancos, painéis e carpetes dos veículos têm elementos chamados de compostos orgânicos voláteis. São produtos como diclorometano -associado ao câncer e a doenças do fígado-, estireno e fenol, ambos causadores de alergias e irritações.
Paulo Saldiva, 49, pesquisador do Laboratório de Poluição da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), diz que alguns dos elementos podem produzir doenças como rinites, sinusites, otites e conjuntivites, além de causarem irritabilidade e falta de concentração para atividades complexas.

Liberação de gases
O cheiro de novo é resultado da liberação natural de gases desses componentes. A situação é pior nos seis primeiros meses, segundo estudos como "Compostos Orgânicos Voláteis Dentro de Carros Novos", apresentado pelo químico Stephen Brown e pela especialista em qualidade do ar Min Cheng na 15ª Conferência de Ar Limpo e Ambiente na Austrália.
Os elementos da parte interna, porém, não são os únicos vilões. A poluição por queima de combustível também colabora.
Não dá para dizer que cheiro de novo causa câncer, mas o assunto é uma preocupação entre pesquisadores. No Brasil, especialistas dizem não haver estudos.
Uma pesquisa pode ser iniciada na USP. O químico Auzebio Valvassori Filho, 35, que trabalha numa montadora, concorre a uma vaga de mestrado para pesquisar a composição atmosférica interna de veículos. "É uma tendência global não haver mais cheiro interno nos carros", avalia.
A professora do Instituto de Química da USP Lilian Rothschild Franco de Carvalho, 53, responsável pelo Laboratório de Estudos do Meio Ambiente, afirma que é importante o país produzir pesquisas próprias, por causa das condições locais. "Nossa atmosfera é muito peculiar."

Impacto real
Algumas pesquisas mostram que a concentração de elementos tóxicos é pior quando o carro fica parado sob o sol. Com a ventilação do movimento ou do ar-condicionado, o problema é rapidamente resolvido.
É o que conclui o estudo "Medição de Compostos Orgânicos Voláteis em Automóveis", de Marion Fedoruk, da Universidade da Califórnia, e Brent Kerger, do Health Science Resource Integration (EUA), na publicação "Journal of Exposure Analysis and Environmental Epidemiology".
O efeito na vida das pessoas pode, então, ser pequeno. Mas a professora Lilian Carvalho diz que, mesmo assim, é preciso avaliar. "Não diria que não há preocupação. Deve-se investigar." Saldiva concorda. "O problema é que o paulistano passa cada vez mais tempo dentro do carro."
A química Leila de Souza Brickus, 39, com pós-doutorado em química atmosférica pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, também defende a realização de estudos, embora não acredite que haja problemas generalizados e que os riscos sejam maiores para quem tem sensibilidade a certos agentes.
A professora Lilian Carvalho diz que falta regulamentação. "A legislação brasileira está atenta à higiene ocupacional, ao ambiente industrial. Mas não há legislação para os ambientes não-ocupacionais. Deveria existir."


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