São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2008

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No fantástico mundo da parcela

Lojas dizem vender a prazo sem juros, consumidores fingem acreditar e pagam taxa mesmo comprando à vista

Felipe Reis


CYRUS AFSHAR
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao comprar produtos mais caros, como eletroeletrônicos, móveis e roupas de grife, muitas vezes o consumidor é tentado por uma condição de pagamento que parece muito boa: o parcelamento "sem juros".
Essa forma representou, no primeiro semestre, 48,9% das compras no cartão, contra 37,8% no mesmo período de 2004, de acordo com pesquisa da Itaucard, administradora de cartões de crédito do banco Itaú. Informar o comprador de que há uma tarifa no parcelamento está fora de moda. Só que a estampa "sem juros" não combina com um país que tem uma das taxas de juros reais mais altas do mundo.
As peças se encaixam quando se sabe que, no preço à vista, há juros embutidos. O problema é que isso viola de uma só vez três artigos do CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Primeiro, porque esconder juros no preço final caracteriza propaganda enganosa, o que é vetado pelo artigo 37 do CDC. "É uma oferta enganosa. Não existe maneira de a loja vender a prazo sem juros. É uma prática abusiva e deveria ser corrigida", afirma Arthur Rollo, 33, advogado especialista em direito do consumidor. "Vender sem juros não é possível. A nossa explicação é que há juros embutidos", diz Marcos Diegues, advogado do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).

Direito de saber
O artigo 52 do Código diz que, no fornecimento de produtos ou serviços que envolva concessão de financiamento, o consumidor tem direito de saber qual o montante de juros e qual a soma total a pagar com e sem financiamento. Para Rafael Paschoarelli, professor de finanças do Ibmec-SP (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), ao omitir que existe financiamento, a loja faz ainda uma "venda casada", o que também é proibido pelo artigo 39 do Código. Essa infração acontece quando o consumidor que quer comprar uma mercadoria se vê obrigado a pagar também por outra.
Ao pagar o preço à vista sem desconto, com juros embutidos, o consumidor não tem opção: leva sem querer e sem precisar um serviço (crédito) com o bem que ele de fato deseja. A pessoa nem sequer vê o que está levando. E, quando vê, para não sair perdendo, é obrigada a parcelar e, assim, pelo menos usufruir do serviço pelo qual ela vai ter que pagar de qualquer maneira.
Se essa prática fosse interpretada por um juiz como "venda casada", as implicações seriam mais graves. "O raciocínio é correto, mas eu não iria por esse lado da venda casada, porque é mais difícil de provar. Pela lei, a loja não pode oferecer crédito, então ela poderia dar outro jeito de explicar. Pelo argumento da oferta enganosa, não tem saída", explica o advogado Arthur Rollo.
O modo de embutir juros no preço à vista varia de loja para loja. A prática mais comum é uma compra triangular consumidor-loja-financeira.


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