São Paulo, sábado, 01 de novembro de 2008

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Escape dos juros invisíveis

Sobra pouco poder de barganha diante da onipresente venda parcelada a 'custo zero'; veja o que dá para fazer

DA REPORTAGEM LOCAL

Em meio ao tiroteio cada vez mais disseminado de facilidades na compra a prazo, o consumidor tem poucas saídas. A melhor delas é boicotar as lojas que o enganam ou insistir para obter do lojista o preço mais próximo do valor real à vista. "O fundamental é pesquisar, recortar anúncios, levar as ofertas para os concorrentes e pedir reduções, fazendo um leilão reverso. E ainda pedir preço com desconto à vista", diz Carlos Alberto Ercolin, diretor de economia da Anefac.
Mas, como cada vez mais pessoas exigem a opção de pagar no maior número de prestações possível sem juros, são raras as lojas que parcelam e mostram os juros cobrados.
Uma delas é a loja virtual da Fast Shop, que encontrou uma forma de atrair o consumidor que gosta de parcelar, sem enganá-lo. Em seu site, é anunciada uma TV em "10 vezes iguais no cartão" e, embaixo, aparece o preço à vista, 10% mais barato. Na mesma página, a tabela de formas de pagamento mostra que "na compra deste produto no cartão de crédito em parcelas com juros, é cobrada uma taxa de 1,99% ao mês". Nos anúncios impressos da Fast Shop, porém, segue a prática de dizer que a venda é dividida em dez vezes "sem juros".
Outras redes dizem vender "sem juros", mas pelo menos dão desconto à vista. No Ponto Frio, a mesma TV sai com desconto de 10% à vista e o anúncio é claro. Outras lojas dão desconto, mas só se o consumidor pedir. No Magazine Luiza e no Extra, a redução é de 5% e, na Americanas, 2%. No Carrefour e na Casas Bahia, oficialmente não tem desconto à vista pré-estabelecido, mas dá para negociar reduções (no preço à vista).
Sem essa referência do preço à vista, o poder de barganha de quem compra é menor. No Submarino, no site da Fnac e no Wal-Mart não há desconto. Se o consumidor for comprar nessas lojas, o melhor é fugir do preço à vista, mesmo se houver um pequeno desconto, e pagar pela mercadoria no máximo de parcelas oferecidas, sabendo que está pagando juros.
"Para a loja, o melhor cliente é o que paga à vista e sai contente com um pequeno desconto ou sem desconto nenhum. Primeiro, porque ela lucra com os juros embutidos e, depois, porque consegue financiar seu capital de giro -isto é, suas despesas normais- com dinheiro à vista", diz Ercolin.
De acordo com o Procon, não há nada que o consumidor possa fazer. É difícil provar que há tarifa embutida no preço, justamente porque não dá para saber o que é juro e o que é margem de lucro. "Por liberalidade, ele pode dizer que não está cobrando juros. Não existe ação julgada no Brasil que tenha feito o lojista explicar como ele consegue vender sem juros", diz Renata Reis, técnica de proteção e defesa do consumidor do Procon-SP.
O advogado Arthur Rollo discorda. Para ele, de fato, ações individuais têm poucas chances de sucesso, mas uma ação coletiva, movida em conjunto pelo Ministério Público e pelo Procon tem chances de ser acatada por um juiz. "O argumento econômico é suficiente para o argumento de oferta enganosa ser aceito. Nesse caso, inverte-se o ônus da prova e o lojista vai ter que se virar para explicar em juízo como ele consegue não pagar juros. Se não conseguir, vai ter que suspender a prática", afirma Rollo. Mas, para isso acontecer, os consumidores devem reclamar junto a esses órgãos.
Já na opinião de Rafael Paschoarelli, professor de finanças do Ibmec-SP, quem deveria coibir as cobranças de juros embutidos é o Banco Central, que executa as diretrizes do CMN (Conselho Monetário Nacional). De acordo com a lei 4.595/64, é o Conselho que deve "disciplinar o crédito em todas as suas modalidades e as operações creditícias em todas as suas formas". (CYRUS AFSHAR)




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