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BIA ABRAMO VAI ÀS COMPRAS [colunista em campo]
NO CORPO-A-CORPO COM A FEIRA LIVRE
Colunista conta suas táticas nas barracas e revela truques de feirantes
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Ir à feira para fazer o abastecimento básico de legumes,
verduras e frutas da semana
não é exatamente o que se chama de diversão: cansa andar, as
compras pesam no final, não
tem abrigo nem para a chuva
nem para o sol, a gritaria e a
movimentação de carrinhos é
atordoante etc.
O mais exaustivo, na verdade, é o fato de exigir uma atividade mental intensa, feita de
inúmeras pequenas decisões: o
abacaxi está melhor nesta banca ou naquela banca lá de cima?
Devo comprar aquela couve-flor maior, a R$ 3, ou esperar
para ver se acho alguma que esteja a R$ 2, como na semana
passada? Damos conta de comer mais peixe, além do tradicional filé de pescada de toda
semana? Se eu levar o feijão-de-corda, vou ter tempo de cozinhar?
Pirâmides de ameixas
É na feira, entretanto, que
achamos um saint-peter róseo
e com cara de muito fresco, tomates de um vermelho que inexiste nos supermercados, mangas de variedades esquecidas,
como a coquinho (amarela-ouro, docemente intensa) e bourbon (verde-amarelada, mais
azedinha e áspera), pirâmides
de ameixas quase translúcidas
de maduras ou de nectarinas
cheirosas...
Na feira, ao contrário do supermercado, onde vamos com
uma lista de problemas a resolver, inventamos as soluções à
medida em que legumes e verduras, mais bonitos e menos
plastificados, vão surgindo na
nossa frente.
Bancas prediletas
Quem faz feira com alguma
regularidade tem lá suas táticas. A minha consiste em percorrer toda sua extensão de
uma vez só, sem parar, prestando atenção no que está bom e
barato, fazendo anotações
mentais de o que comprar onde
(das quais nem sempre lembro)
e revendo onde estão as bancas
prediletas, das quais eu já sou
freguesa, ou aquelas a evitar
-em geral, bancas de frutas
que não exibem o preço, onde
inevitavelmente você será enganada. Em seguida, volto, fazendo as compras.
A feira livre sugere um corpo-a-corpo tanto com a mercadoria -olhamos, cheiramos,
escolhemos cada limão que entra na sacola- quanto com o
ato da compra.
É preciso ser esperto, estar
atento, mostrar ao vendedor
que você entende do que está
comprando, mesmo que não
seja verdade 100% do tempo.
O cara do tomate tenta te
convencer, a todo custo, que
aqueles tomates-cereja mirrados e francamente verdes estão
ótimos. Um vendedor de uma
dessas bancas sem preço seduz
com nacos de um pêssego aromático e sumarento, mas quando chegamos em casa, estão duros e sem graça. Facas besuntadas de adoçante fazem milagres
em abacaxis, mangas e melões,
e vendedores hiperativos te
empurram uvas a peso de ouro,
atemóias caríssimas e mamões
que não vão amadurecer nem
no ano que vem.
Parte divertida
Há surpresas boas, é claro, e
aí que começa a parte divertida
-isto é, para quem vê diversão
em chegar em casa com um carrinho e uma sacola cheios de
coisas para cozinhar, de próprio punho ou não.
Na banca de grãos, além do
habitual roxão de Santa Catarina, um feijão vermelho, lindo,
que produz um caldo grosso,
encorpado, encontro grãos-de-bico bem novinhos para fazer
homus (ou uma salada, a ver).
Em uma banca, maços de rabanetes e beterrabas orgânicos
mais miúdos que vão se revelar
tenríssimos na salada; em outra, cogumelos variados -shitakes, champinhons e o raro
heringue- a preço ótimo (e um
risoto idem).
Aqui, um vendedor ajuda:
"Essas abobrinhas menores são
ótimas para rechear"; ali, a pergunta de uma compradora -
"Mas como é que usa mostarda?"- serve de pretexto para
uma conversa animada.
É um prazer meio nostálgico,
sem dúvida. Remete a um comércio menos massivo, a uma
sociabilidade com vizinhos e
com o bairro atropelada pelas
novas formas de viver e circular
pela cidade, a uma relação com
a casa quase impossível de se
manter com os ritmos contemporâneos. E é exatamente por
isso que é uma espécie de mistério que as feiras livres se
mantenham tão vivas em São
Paulo, justo nesta cidade.
Deve ser por causa do pastel.
Feira Heitor Penteado
r. Oscar Freire, no viaduto sobre a av. Sumaré.
Dom.: 6h às 13h
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