São Paulo, sábado, 01 de dezembro de 2007

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BIA ABRAMO VAI ÀS COMPRAS [colunista em campo]

NO CORPO-A-CORPO COM A FEIRA LIVRE

Colunista conta suas táticas nas barracas e revela truques de feirantes

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Ir à feira para fazer o abastecimento básico de legumes, verduras e frutas da semana não é exatamente o que se chama de diversão: cansa andar, as compras pesam no final, não tem abrigo nem para a chuva nem para o sol, a gritaria e a movimentação de carrinhos é atordoante etc.
O mais exaustivo, na verdade, é o fato de exigir uma atividade mental intensa, feita de inúmeras pequenas decisões: o abacaxi está melhor nesta banca ou naquela banca lá de cima? Devo comprar aquela couve-flor maior, a R$ 3, ou esperar para ver se acho alguma que esteja a R$ 2, como na semana passada? Damos conta de comer mais peixe, além do tradicional filé de pescada de toda semana? Se eu levar o feijão-de-corda, vou ter tempo de cozinhar?

Pirâmides de ameixas
É na feira, entretanto, que achamos um saint-peter róseo e com cara de muito fresco, tomates de um vermelho que inexiste nos supermercados, mangas de variedades esquecidas, como a coquinho (amarela-ouro, docemente intensa) e bourbon (verde-amarelada, mais azedinha e áspera), pirâmides de ameixas quase translúcidas de maduras ou de nectarinas cheirosas...
Na feira, ao contrário do supermercado, onde vamos com uma lista de problemas a resolver, inventamos as soluções à medida em que legumes e verduras, mais bonitos e menos plastificados, vão surgindo na nossa frente.

Bancas prediletas
Quem faz feira com alguma regularidade tem lá suas táticas. A minha consiste em percorrer toda sua extensão de uma vez só, sem parar, prestando atenção no que está bom e barato, fazendo anotações mentais de o que comprar onde (das quais nem sempre lembro) e revendo onde estão as bancas prediletas, das quais eu já sou freguesa, ou aquelas a evitar -em geral, bancas de frutas que não exibem o preço, onde inevitavelmente você será enganada. Em seguida, volto, fazendo as compras.
A feira livre sugere um corpo-a-corpo tanto com a mercadoria -olhamos, cheiramos, escolhemos cada limão que entra na sacola- quanto com o ato da compra.
É preciso ser esperto, estar atento, mostrar ao vendedor que você entende do que está comprando, mesmo que não seja verdade 100% do tempo.
O cara do tomate tenta te convencer, a todo custo, que aqueles tomates-cereja mirrados e francamente verdes estão ótimos. Um vendedor de uma dessas bancas sem preço seduz com nacos de um pêssego aromático e sumarento, mas quando chegamos em casa, estão duros e sem graça. Facas besuntadas de adoçante fazem milagres em abacaxis, mangas e melões, e vendedores hiperativos te empurram uvas a peso de ouro, atemóias caríssimas e mamões que não vão amadurecer nem no ano que vem.

Parte divertida
Há surpresas boas, é claro, e aí que começa a parte divertida -isto é, para quem vê diversão em chegar em casa com um carrinho e uma sacola cheios de coisas para cozinhar, de próprio punho ou não.
Na banca de grãos, além do habitual roxão de Santa Catarina, um feijão vermelho, lindo, que produz um caldo grosso, encorpado, encontro grãos-de-bico bem novinhos para fazer homus (ou uma salada, a ver). Em uma banca, maços de rabanetes e beterrabas orgânicos mais miúdos que vão se revelar tenríssimos na salada; em outra, cogumelos variados -shitakes, champinhons e o raro heringue- a preço ótimo (e um risoto idem).
Aqui, um vendedor ajuda: "Essas abobrinhas menores são ótimas para rechear"; ali, a pergunta de uma compradora - "Mas como é que usa mostarda?"- serve de pretexto para uma conversa animada.
É um prazer meio nostálgico, sem dúvida. Remete a um comércio menos massivo, a uma sociabilidade com vizinhos e com o bairro atropelada pelas novas formas de viver e circular pela cidade, a uma relação com a casa quase impossível de se manter com os ritmos contemporâneos. E é exatamente por isso que é uma espécie de mistério que as feiras livres se mantenham tão vivas em São Paulo, justo nesta cidade.
Deve ser por causa do pastel.


Feira Heitor Penteado
r. Oscar Freire, no viaduto sobre a av. Sumaré.
Dom.: 6h às 13h



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