São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2008

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"COMFORT FOOD"

BAH, QUE SAUDADE DO SUL

Com ‘cacetinhos’, ‘bergamotas’ e delícias regionais, supermercado vira oásis de gaúchos em São Paulo

IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para gaúchos que moram em São Paulo, ir ao supermercado deixou de significar só abastecer a geladeira. Desde março, quando foi aberto o shopping Bourbon Pompéia e com ele uma fililal do hipermercado gaúcho Záffari, os nativos do Rio Grande passaram a encontrar nas prateleiras produtos que só reviam nas visitas ao Sul.
Erva-mate fresca, cortes de carnes especiais para churrasco, geléias do tipo schmier e bolo Marta Rocha, agora, fazem parte da lista de compras e ajudam a matar a saudade de casa. Sem falar em guloseimas com gostinho de infância, como as cucas, que mexem com a memória afetiva de quem cresceu no Rio Grande do Sul.
Por conta dessa oferta, o mercado se tornou um ponto de encontro de gaúchos desterrados. Lá, um gremista nem liga se cruzar um colorado no corredor, porque sabe que o local é uma espécie de CTG (Centro de Tradições Gaúchas).
Clientes contam que não é raro esbarrar em conhecidos no Záffari. E quem não se conhece acaba fazendo contato. "É comum alguém ouvir o sotaque e vir puxar conversa", diz o estudante de engenharia Vinícius Zanchin, há quatro anos e meio em São Paulo.
"Esse é o meu supermercado agora", comemora o assessor parlamentar Sérgio de Carvalho, que todo domingo sai de sua casa em Pinheiros, na zona oeste, para fazer compras na Pompéia. Gaúcho de Uruguaiana, ele diz que, agora, não faltam em sua casa a cuca (bolo alemão coberto com crosta de farofa doce feita de manteiga, farinha e açúcar) e a erva-mate "da mesma marca que eu comprava no Sul". "Os nomes dados aos cortes de carne também são mais familiares, como vazio e bife ancho", diz. No açougue, há vários tipos de corte de carne que seguem o estilo gaúcho, fornecidos por frigoríficos regionais."Em São Paulo, se você vai a um açougue e pede paleta, tem gente que nem sabe o que é. Aqui você encontra não só paleta como outros cortes tradicionais no Sul", diz o estudante Zanchin.
O Záffari vende também o charque como é consumido no Sul, diferente daquele que faz sucesso no Nordeste. A costela bovina segue as tradições gaúchas e tem corte próprio para ser feita na churrasqueira.
Zanchin também é fã das gajetas (do espanhol, galleta), uma espécie de bolacha uruguaia comum no Sul, que ele encontra fresquinhas na padaria do supermercado. Outra versão das gajetas são os biscoitinhos "vovó sentada", uma novidade para os paulistanos.
São justamente os biscoitos que levam a bancária Marina Coelho da Cunha a sair de casa na Vila Mariana, na zona sul, para fazer compras na zona oeste. Amigos gaúchos que já foram ao hipermercado falaram sobre as guloseimas e atiçaram as lembranças de de Marina. "Sou viciada nesses biscoitinhos de mel com cobertura. Quando vou para o Sul trago alguns pacotes", diz ela, que mora há seis anos em São Paulo. A erva-mate também faz parte de sua lista de compras.
"Em outros supermercados até se encontra erva-mate, mas normalmente é embalada a vácuo e tem poucas opções. No Záffari há boas marcas e você encontra a erva fresca", diz Jaqueline Marques, outra frequentadora. Em conversas com conterrâneos, ela viu que muitos começaram a preparar em casa pratos típicos do Sul, que antes não saíam do caderno de receitas por falta de ingredientes. "Hoje mesmo estou preparando uma comida que leva nata, muito comum no Sul, mas não aqui", diz.
A comunidade gaúcha ficou tão satisfeita com a inauguração de uma filial da rede em São Paulo que criou até uma comunidade no Orkut: "Finalmente um Záffari em São Paulo". Mas algo que causou estranheza entre eles foi ver o nome do mercado com acento. A empresa optou pela acentuação para evitar que os paulistanos continuassem a pronunciar errado o nome da rede. Além de comemorar a oferta de produtos regionais, os membros da comunidade exaltam o bom atendimento no híper.
A rede, que surgiu em 1935 em Erechim, chegou a Porto Alegre em 1960. Ali, os gaúchos se sentem em casa. Na balança da padaria, por exemplo, o pão francês também aparece como cacetinho, como é chamado no Sul. Na hora de escolher produtos comuns, como um litro de leite ou um pote de iogurte, há marcas familiares disponíveis, como a Piá, de Nova Petrópolis.

Paulistas têm suas queixas
Consumidores paulistas estranham nomenclaturas regionais usadas pelo Záffari, caso do "vazio", corte de carne aparentado da fraldinha. Outra queixa é a falta das bandejas com cortes prontos para bife, em contraposição à variedade de carnes para churrasco. A escassez de marcas boas de pão italiano é outro ponto contra, para as preferências locais. No setor de vinhos, a seleção com 2.000 rótulos inclui muitos nomes desconhecidos por aqui. Entre os acertos, há o argentino Catena e o chileno Trio, mas faltam os básicos italianos e franceses, abundantes em outros supermercados.


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