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Consumo Selvagem
Filas, desconfortos e preços nem tão baixos são armadilhas de bazares; veja se a muvuca compensa para você
João Wainer/Folha Imagem
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Bazar de Alexandre Herchovitch, nos jardins, que vai até dia 15
CHICO FELITTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A publicitária Roberta de Oliveira, 24, madrugou na última
quinta-feira. Parou o carro numa rua dos Jardins, em São
Paulo, às 8h30, e esperou sentada uma hora e meia. Em compensação, foi a primeira a chegar à abertura pública do bazar
da grife Alexandre Herchcovitch, com descontos de até
90%. Como o evento só acontece a cada três anos, ela justificou:"Estava orfã".
No meio do estoque de 400
caixas que serão reviradas e
disputadas até dia 15, o artista
plástico Tiago Rivaldo, 33, circulava numa boa. Percorria
corredores, escolhia peças e
voltava ao seu QG- o ponto onde deixou a bermuda que vestia. "Não tenho problema em ficar pelado", disse, de cueca.
Quem visse a empresária
Alejandra de Lucio, 50, ao lado
da pilha de roupas amealhadas,
não acreditaria que aquela era
sua primeira vez. "Detéééésto
bazar!", declarou. Gastou R$
2.330. Imagine se gostasse.
A mania de bazar não pega só
quem não pode consumir determinadas marcas com preços
"normais". No dia anterior, reservado aos VIPs, a fila para pagar levava meia hora na loja de
Herchcovitch. No calor de
34ºC, a cantora Thalma de
Freitas desfilou pelo ambiente
sem janelas com um vestido de
malha por cima da roupa. Enquanto o DJ Zé Pedro depurava
duas cestas, sentado no chão.
"Não fui para Nova York este
ano, então "me acabo" aqui mesmo. Adoro bagunça!."
Bagunça não faltou no bazar
das grifes Forum e Triton, em
multimarcas na Mooca, dez
dias atrás. Na entrada da loja de
rua, sob porta de ferro de descer, uma faixa com a palavra
mágica e logos das grifes "de
shopping". Dentro, cenário desolador: roupas, algumas sujas
e com furos na malha, lotavam
as prateleiras. As etiquetas arrancadas das peças não tiravam
o afã de quem "garimpava".
O bazar da FIT, também nos
Jardins, durou quatro dias e
abalou quarteirões, com suas
promessa de até 90% "off".
"Estou passando "voando"
porque meu filho tá em casa,
doente, mas vale muito a pena!", disse a atriz Priscilla Alpha, 37, sem tirar os olhos de
seu reflexo. Ao lado dela, na parede-espelho, uma loura ficou
de calcinha e vestiu, num só pulo, a saia que levava no ombro.
Além de Priscilla e da exibicionista, 34 outras mulheres
partilhavam o espaço no dia em
que a reportagem visitou o saldão da FIT. As recatadas improvisavam biombos com sacolas, já que não havia cabines.
"Clima de bazar é bagunça e
histeria", disse uma delas, a relações públicas Paula Ferreira,
23, que já estourava seu horário
de almoço em 20 minutos. Faltava decidir se comprava a sandália roxa e prata, por R$ 100.
"Não é preço de bazar", disse.
A palavra "bazar" dá a entender queima das boas e, se o consumidor se sentir frustrado,
acaba sendo contraproducente
para a marca, segundo Maíra
Feltrin, advogada do Instituto
de Defesa do Consumidor.
Para o professor de marketing de moda Sergio Garrido, o
bazar, além de escoar o encalhe, pode ajudar ONGs ou entidades beneficentes,melhorando a imagem da grife.
O bazar de Herchcovitch, por
exemplo, sugeria como ingresso a doação de um quilo de alimento para uma associação. As
caixas de doação estavam semi-vazias no segundo dia.
Esse estilo de comprar está
menos para a caridade e mais
para o salve-se-quem-puder
descrito por Thomas Hobbes
no "Leviatã". O teórico defendia que, antes da sociedade, a
Terra era um lugar sem regras,
em que todos batalhavam pela
sobrevivência, tensos e sós.
Troque "sobrevivência" por
"descontos" e veja como orna.
Quando o tema é bazar, o homem é o lobo do homem. E a
mulher, então, nem é preciso
completar.
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