São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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Consumo Selvagem

Filas, desconfortos e preços nem tão baixos são armadilhas de bazares; veja se a muvuca compensa para você

João Wainer/Folha Imagem
Bazar de Alexandre Herchovitch, nos jardins, que vai até dia 15

CHICO FELITTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A publicitária Roberta de Oliveira, 24, madrugou na última quinta-feira. Parou o carro numa rua dos Jardins, em São Paulo, às 8h30, e esperou sentada uma hora e meia. Em compensação, foi a primeira a chegar à abertura pública do bazar da grife Alexandre Herchcovitch, com descontos de até 90%. Como o evento só acontece a cada três anos, ela justificou:"Estava orfã".
No meio do estoque de 400 caixas que serão reviradas e disputadas até dia 15, o artista plástico Tiago Rivaldo, 33, circulava numa boa. Percorria corredores, escolhia peças e voltava ao seu QG- o ponto onde deixou a bermuda que vestia. "Não tenho problema em ficar pelado", disse, de cueca.
Quem visse a empresária Alejandra de Lucio, 50, ao lado da pilha de roupas amealhadas, não acreditaria que aquela era sua primeira vez. "Detéééésto bazar!", declarou. Gastou R$ 2.330. Imagine se gostasse.
A mania de bazar não pega só quem não pode consumir determinadas marcas com preços "normais". No dia anterior, reservado aos VIPs, a fila para pagar levava meia hora na loja de Herchcovitch. No calor de 34ºC, a cantora Thalma de Freitas desfilou pelo ambiente sem janelas com um vestido de malha por cima da roupa. Enquanto o DJ Zé Pedro depurava duas cestas, sentado no chão. "Não fui para Nova York este ano, então "me acabo" aqui mesmo. Adoro bagunça!."
Bagunça não faltou no bazar das grifes Forum e Triton, em multimarcas na Mooca, dez dias atrás. Na entrada da loja de rua, sob porta de ferro de descer, uma faixa com a palavra mágica e logos das grifes "de shopping". Dentro, cenário desolador: roupas, algumas sujas e com furos na malha, lotavam as prateleiras. As etiquetas arrancadas das peças não tiravam o afã de quem "garimpava".
O bazar da FIT, também nos Jardins, durou quatro dias e abalou quarteirões, com suas promessa de até 90% "off".
"Estou passando "voando" porque meu filho tá em casa, doente, mas vale muito a pena!", disse a atriz Priscilla Alpha, 37, sem tirar os olhos de seu reflexo. Ao lado dela, na parede-espelho, uma loura ficou de calcinha e vestiu, num só pulo, a saia que levava no ombro.
Além de Priscilla e da exibicionista, 34 outras mulheres partilhavam o espaço no dia em que a reportagem visitou o saldão da FIT. As recatadas improvisavam biombos com sacolas, já que não havia cabines.
"Clima de bazar é bagunça e histeria", disse uma delas, a relações públicas Paula Ferreira, 23, que já estourava seu horário de almoço em 20 minutos. Faltava decidir se comprava a sandália roxa e prata, por R$ 100. "Não é preço de bazar", disse.
A palavra "bazar" dá a entender queima das boas e, se o consumidor se sentir frustrado, acaba sendo contraproducente para a marca, segundo Maíra Feltrin, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor.
Para o professor de marketing de moda Sergio Garrido, o bazar, além de escoar o encalhe, pode ajudar ONGs ou entidades beneficentes,melhorando a imagem da grife.
O bazar de Herchcovitch, por exemplo, sugeria como ingresso a doação de um quilo de alimento para uma associação. As caixas de doação estavam semi-vazias no segundo dia.
Esse estilo de comprar está menos para a caridade e mais para o salve-se-quem-puder descrito por Thomas Hobbes no "Leviatã". O teórico defendia que, antes da sociedade, a Terra era um lugar sem regras, em que todos batalhavam pela sobrevivência, tensos e sós.
Troque "sobrevivência" por "descontos" e veja como orna. Quando o tema é bazar, o homem é o lobo do homem. E a mulher, então, nem é preciso completar.


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