São Paulo, sábado, 07 de março de 2009

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

MEDICINA FORA DO CONSÓRCIO


Quando alguém é lesado em consórcio, perde dinheiro; se envolver cirurgia plástica, o risco será de perder a saúde


CIRURGIA É "INTERVENÇÃO que visa ao tratamento de doenças e traumatismo, por meio de processos operatórios manuais e instrumentais", diz dicionário Houaiss. O fato de acrescer "estética", ao lado da palavra cirurgia, não a torna menos ou mais arriscada. Esse raciocínio explica minha oposição à realização de consórcios para cirurgias plásticas, uma das inovações da nova regulamentação dos consórcios.
No caso de imóveis, automóveis, ou de outros bens e serviços, a decisão deve ser do consumidor, depois de se informar muito bem sobre a administradora, seu histórico, taxa, entre outros itens. Ele deve ter em mente que, se desistir, não será fácil ser restituído do que já pagou.
Como a fiscalização no Brasil é uma ficção, uma miragem no deserto repleto de leis descumpridas e ignoradas, não adianta acreditar que somente clínicas respeitadas oferecerão pacotes de cirurgia plástica.
As dimensões continentais do país dificultam a fiscalização e facilitam a ação de golpistas, que teriam a faca e o queijo na mão se contassem com um mecanismo avançado de financiamento. É o caso desses tipos de consórcios.
Além disso, como bem argumenta o Conselho Federal de Medicina, seria antiético incluir a cirurgia plástica entre os serviços adquiríveis por carta de crédito de um consórcio.
Na medicina, não é possível tratar de uma parte do corpo isoladamente. Como fazer um consórcio para cirurgia plástica, que, malsucedida, implicará outros tratamentos, internação em Unidades de Terapia Intensiva, medicamentos etc.?
Na verdade, os controles sobre as cirurgias plásticas deveriam aumentar, isso sim, já que tem havido muitos casos de pacientes que passam mal e até algumas mortes após a realização de lipoaspirações.
Mercantilizar as fantasias de cada um com a aparência perfeita, algo relativo e inatingível, me parece um tanto perigoso.
Quando alguém é lesado (e isso continua ocorrendo!) em grupos de consórcios de automóveis ou imóveis, perde dinheiro, o bem e sofre um abalo moral. Se a ilegalidade envolver uma cirurgia plástica, o risco será perder a saúde e até a vida.
Antes de abrir consórcios, portanto, para serviços médicos, seria fundamental que o país tivesse um sistema exemplar de fiscalização contra clínicas e profissionais despreparados ou mesmo inabilitados para o exercício da medicina. E que houvesse a exigência de que, em caso de complicações médicas, o consorciado tivesse direito ilimitado a todo o tipo de intervenção necessária ao restabelecimento de sua saúde.
Até porque ainda há milhões de brasileiros pessimamente assistidos pela saúde pública, sofrendo em camas ou macas jogadas em corredores infectos de hospitais que não merecem esse nome.
Saúde e vida são sérias demais para virar "serviços comprados por consórcio".


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