São Paulo, sábado, 13 de março de 2010

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BAGAGEM [compras mundo afora]

Pechincha chique

Em Londres, loja atrai multidões com "milagrosa" combinação de roupas antenadas e preços baixos

Fernanda Mena/Folha Imagem
Vitrine da Primark Oxford Street, um dos endereços comerciais mais cobiçados na capital britânica; a rede varejista irlandesa é fenômeno de vendas, com suas cópias baratas de tendências das passarelas

FERNANDA MENA
EM LONDRES

Uma sacola feia de papel pardo impera nas ruas da capital britânica. Em tempos de recessão no Reino Unido, ela é sinônimo da equação que nunca sai de moda: mais por menos.
A Primark, rede varejista irlandesa, virou fenômeno há um par de anos, quando passou a reeditar modelos de grifes internacionais a preços baixíssimos. Em seus 196 endereços espalhados pela Europa, uma calça jeans skinny custa o equivalente a R$ 28, uma camiseta masculina de estampa esperta sai por míseros R$ 12 e uma bolsa tiracolo vai para a tal sacola parda por R$ 8.
Além do preço, a rede reproduz tendências em tempo recorde. "Navy"? Florais? Militarismo? Se está na moda, pode apostar que está nas araras da Primark. A combinação de preço baixo com modismos gerou uma nova gíria entre fashionistas britânicos: o "cheap-chic".
"Sei que são roupas feitas para não durar muito", diz a aposentada Mary Rawefi, 70. "Mas prefiro comprar uma nova tendência sem ter de investir muito. Se der certo, ótimo. Se não der, tudo bem também."
Como a ideia não é fazer moda, mas levá-la ao maior número de pessoas possível, a marca não só é democrática com os hits da temporada, abraçando todos sem constrangimento, como com os tamanhos. Os manequins vão do 34 ao 46.
Na fila do provador, a estudante sueca gordinha Secil Kayhan, 24, mal conseguia segurar tudo que havia selecionado. "É maravilhoso! Na Suécia nunca encontro tantas opções em tamanhos grandes."
A maior loja da Primark, em Londres, fica na Oxford Street, a poucos metros da Selfridges, espécie de Daslu do Reino Unido, casa de grifes como Chanel, Vuitton e Marc Jacobs.
Por ali, passam diariamente mais de 4.000 consumidores atrás do tal "mais por menos".
Aos finais de semana, a loja amanhece com uma fila de garotas na porta, ávidas por serem as primeiras a escolher e comprar. Isso porque, em tardes de sábado e domingo, ir à Primark é enfrentar uma multidão alucinada e hostil.
"Trabalhar aqui é um inferno!", brinca Allen Michael, 25, vendedor da Primark há três anos. "As lojas funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, para manter um sistema de reposição permanente. Ainda assim, quando acaba algum modelo, os clientes ficam malucos e chegam até a agredir os funcionários da loja."
"É tudo tão barato que chega a ser inacreditável. Fica difícil passar aqui por perto sem dar uma olhada no que há de novo e levar algo para casa, mesmo quando não preciso de nada", admite a professora Peccol Marian, 26, que leciona a poucos quarteirões de uma das lojas.
O descontrole que a Primark parece despertar mascara, no entanto, um lado perverso desse consumo "cheap-chic". Por trás da mágica dos preços da rede estão linhas de produção hiperexploradas, com baixos salários, e até acusações de uso de mão de obra em sistema análogo à escravidão em países como Índia e Bangladesh.
A Primark afirma que mantém um esquema de monitoramento de seus fornecedores e criou parcerias com ONGs em países asiáticos, para criar diretrizes na linha do chamado "comércio justo".
O caso pegou mal para a marca. Mas como moda e consumo são também escapismo, mesmo depois das denúncias, a rede comemorou, em pleno ano da crise, um incremento de 20% nos lucros.


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