São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

Gorjetas altas e outras bobagens


Quem deve pagar salários é o empregador. Hoje, já bancamos parte expressiva da renda dos garçons


A INVERSÃO DA ORDEM das coisas parece ter se tornado prática diária neste país, prezado leitor e leitora. A lei que determina gorjeta de 20% em bares, restaurantes e similares, para contas fechadas a partir das 23 horas, já aprovada no Senado, é um grande exemplo disso.
O senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) resolveu legislar sobre os bolsos alheios, mas errou feio o alvo de sua "bondade": quem deveria pagar salários seriam os empregadores, e não os consumidores. Hoje, já bancamos parte expressiva da renda dos garçons, com os 10% de acréscimo na conta. Mas 20%, convenhamos, são um absurdo.
Mas, por que tal brilhante ideia ocorreu ao senador Crivella? Talvez porque considere, como religioso que é, relevante dificultar a ida a bares e restaurantes, o consumo de bebidas e, subliminarmente, relacionamentos de todo o tipo.
O encarecimento das contas -não me venham com a cantilena de que os 20% são opcionais!- é mais um prego no orçamento dos brasileiros que trabalham, trabalham, trabalham para pagar impostos, taxas e contribuições em troca de nada.
De serviços públicos? Bem, como piada de mau gosto, talvez possamos chamá-los assim.
O Brasil está às moscas, com pseudo-obras que só existem no papel e nas inaugurações; com miniapagões de luz a toda hora; com transporte coletivo que não merece adjetivo elegante; com prisões superlotadas e detentos amontoados.
Há tanta coisa importante para um legislador se preocupar -como a decisão das concessionárias de energia de não compensar o que cobraram a mais nas contas de luz-, que eu deveria ficar espantada com essa preocupação senatorial com a comanda de bares e de restaurantes.
Deveria, mas, infelizmente, não fico, porque disparates pertencem à ordem do dia.
Quem cuida de nós, quem zela pelos nossos interesses, eleitores, contribuintes, consumidores e cidadãos? Ninguém. Quem se preocupa com nossos direitos solapados? Ninguém.
Miram, isto sim, os nossos bolsos, sempre com ideias brilhantes para nos escalpelar.
A julgar pelo que demonstram as pesquisas eleitorais, a culpa é nossa, pois transmitimos a impressão de estar muito satisfeitos com tudo isto. Nesse caso, por mais que as entidades de defesa do consumidor tenham obtido vitórias suadas, que melhoraram nossas vidas, sem a participação do cidadão o caminho se torna mais difícil.
Pagamos caro por nada, e ainda batemos palmas. Concidadãos nossos não recebem os apartamentos pelos quais pagaram à Bancoop, e dizemos: beleza!
Vamos continuar rodando por ruas esburacadas e escuras, com cortes frequentes de luz e água, olhando para maquetes que não se tornarão realidade. Ocasionalmente, com nossas casas e prédios submersos por fortes chuvas de verão.
Quem corre por gosto não cansa, rezava o velho ditado. Tão atual, que posso repeti-lo aqui.


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