São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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CRÍTICA DE LOJA [questão de gosto e opinião]

Cacarecos sem limite

Evento organizado por empresas parece, mas não é, venda de garagem

TETÉ MARTINHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quando começou a aparecer por aí, a faixa "Família Vende Tudo" parecia um convite à prática conjugada de dois esportes prediletos: vasculhar velharias à venda e xeretar imóveis vazios. De fato, é. O problema é achar, em meio às legiões de ácaros e às cenas melancólicas de decadência e abandono incluídos no pacote, algo além de erros decorativos que o tempo não fez nada para aliviar.
"Família Vende Tudo", pena, não é venda de garagem, esse adorável uso dos países ricos em que as pessoas põem preços na bugiganga e deixam tudo à venda na porta. É, antes, um "evento" organizado por empresas que avaliam os objetos -às vezes, como o nariz deles- e estendem a faixa, não sem antes limpar a área do que houver de minimamente valioso e/ou interessante e colocar no lugar os restos da venda da "família" anterior.
É o que sugere a cacarecada sem lei e sem limite que a referida frase anuncia, até o fim do mês, na esquina das ruas Arquiteto Jayme Fonseca e Diógenes Ribeiro de Lima, no Alto de Pinheiros, por exemplo. A loucura começa na entrada, guardada de um lado por um Buda balinês "em madeira maciça" (R$ 6.000) e, de outro, por uma manequim de corpo inteiro, pelada, careca e de olhos verdes (R$ 220).
Cruzado este umbral, espere realmente "tudo": horrendos entalhes de madeira com motivos nordestinos, dos anos 70; uma mesa com tampo de vidro e compartimentos recheados de sementes, recém-caída em desgraça; um descanso de prato em forma de ideograma, idem; cortinas de tampinhas de lata, da série "horrores da reciclagem"; gravuras mais baratas do que suas molduras; e até um címbalo quebrado pelo qual pedem R$ 50. Pode?
Há itens certamente feitos agora, como bancos de bonde "patinados" e bonecos articulados de madeira; e raras velharias de alguma estirpe, como o "Almanaque Tico-Tico", de 1948, e a "fofoqueira", mesa de telefone com banqueta grudada e pés-palito (R$ 700).
Além de um conjuntinho praticamente irresistível para café de louça e prata (R$ 50), a melhor coisa da casa era o quintal -desses como não se fazem mais.


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