São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

A LIGA DOS CARAS-DE-PAU


Quando sofríamos nos aeroportos, bolaram uma jogada de mestre: aumentos nos preços das passagens

OS CARAS-DE-PAU chegaram sem aviso. A não ser por aquelas dicas suaves, nas entrelinhas, que talvez devêssemos perceber.
Eles vivem há mais de cinco séculos no Brasil e provavelmente já existissem nas tribos que eram as donas do país.
Eles são ávidos, gananciosos e não ficam vermelhos nunca. Toda manhã e à noite, antes de dormir, lustram o rosto com óleo de peroba.
Foram eles que garantiram que a TV digital seria fantástica e que o ideal seria o modelo japonês, pela interatividade. Que, como sabemos, não apareceu até agora.
Quando sofríamos nos aeroportos com insegurança, filas intermináveis, "overbooking", cancelamento de vôos e falta de informações, bolaram uma jogada de mestre: aumentos nos preços das passagens. Reduziram a aceleração da demanda e, por tabela, os problemas.
Esses sujeitinhos continuam cheios de idéias inovadoras (cuidado com elas!). Na semana passada, um deles propôs a "flexibilização da legislação trabalhista" para enfrentar a crise. Por que não a escravidão, as galés ou o degredo em ilhas distantes, senhor empresário?
Paramos por aí? Não, eles são insaciáveis. Conseguiram adiar a lei que pune crimes ambientais.
Daqui a um ano, certamente terão outro argumento para pedir mais cem anos.
Enquadraram o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, por ter criticado desvios na Funasa.
Aproveitaram a crise de liquidez (falta de dinheiro para empréstimos) e aumentaram juros e outros penduricalhos, que encarecem as operações.
Reclamaram dos depósitos compulsórios retidos no Banco Central, houve liberação de dinheiro, mas o crédito não retornou com força.
Todos os dias, integrantes da Liga dos Caras-de-Pau identificam novas oportunidades de obter mais vantagens, mais benefícios, em detrimento de nós, que pagamos todas as contas. Eles adiaram, por exemplo, a isenção de cobrança de novos pontos de TV por assinatura. Enrolaram, enrolaram, e a decisão (?) ficou para 2009.
Daqui a quatro dias, eles se reunirão em torno de suas mesas, com seus familiares e amigos, para comemorar o Natal. Brindarão à paz, ao entendimento entre os homens, aos valores familiares. Se forem cristãos, talvez até rezem, e relembrem do aniversariante do dia 25.
Não pensarão em consumidores lesados, eleitores ludibriados, trabalhadores demitidos, pobres que terão mais dificuldades devido ao que os caras-de-pau fizeram e fazem no mercado financeiro.
Não, talvez até pensem, mas com um sorriso maroto nos lábios, do gênero "me dei bem".
É lamentável, mas pode esquecer qualquer possibilidade de que sejam condenados por algum delito. Isso nem se cogita.
Afinal, eles montaram o esquema que move as pedras da nossa sociedade. Não fariam isso para se prejudicar.
Podemos reclamar, denunciar, chiar. Então, lá vai: "como vocês são caras-de-pau".

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br



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