São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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BAGAGEM [mundo afora]

Compra anti-culpa

HELOÍSA HELVÉCIA
EDITORA DO VITRINE

Na "capital da moda"", você faz a pé o trajeto obrigatório das compras, enquanto o verão europeu crava 38 graus à sombra e o transforma em uma paródia da manjada elegância milanesa: perna inchada, roupa vencida, pele melada de suor. Só falta mesmo passar farinha para fritar ainda mais.
Tem que suar a camiseta até chegar à esnobe galeria Vittorio Emanuelle ll, espécie de precursora dos shoppings. Ali, você integra o enxame de forasteiros que olham para a vitrine da Prada com a mesma reverência com que olharão para a "A Última Ceia", caso consigam agendar uma visita à igreja Santa Maria delle Grazie.
Pode-se até desistir de ver Da Vinci, mas de comprar ninguém desiste em Milão. Problema de caixa não é questão, porque ali mesmo, na entrada suntuosa da galeria, estão os camelôs, os uniformes mal-acabados do time local, as versões genéricas das bolsas que habitaram as vitrines na coleção passada e outras coisas que são "típicas" em qualquer parte do mundo.
Para chafurdar em mais luxo, é só cruzar a Vittorio Emanuelle e pegar a via Manzoni que, com a Montenapoleone, a Sant'Andrea e a della Spiga, reúnem a maior concentração de grifes coruscantes por metro quadrado do cosmo. É o chamado Quadrilátero de Ouro. Mas cada um no seu quadrado. Por mais que os miolos amoleçam sob o sol da Lombardia, a louca sucessão de logotipos estrelados e preços astronômicos acaba por promover uma dessensibilização. As tentações consumistas arrefecem -é a overdose de etiquetas.
Roupa nova para quê, se você só sonha, agora, com o momento de se livrar da sua?
Não há Versace, não há Armani capaz de mudar o desconforto térmico. A única etiqueta que interessa nesse calor é a praticada por um café na via Brera, quase em frente à Pinacoteca, que tem a decência de manter um megaventilador aspergindo água sobre as mesas avançadas para a rua. Banho grátis, isso sim é chique, em tempo de aquecimento global.
É bom tomar um sorvete debaixo desse brinde refrescante.
Antes, é praxe esquadrinhar a Pinacoteca com seus céus de Rafael, com seus Caravaggio, com aquela quantidade um tanto monótona de "Madonna col Bambino" e também com aquele ar condicionado mais eficiente que o de seu hotel.
Brera é o bairro boêmio. Nem por isso mais amigável em preços. Uma delícia se perder pelas ruas estreitas cheias de lojas fofas, moda vintage e vitrines que são obras de arte. Antro de grifes descoladas, sapatos de design precioso, bijoux originais. Parabéns, você resistiu às drogas pesadas, vazou incólume pelo quadrado da fama sem cometer nem um lencinho de "marca". Agora, compre.
Surge, na esquina da ruela com chão de pedras, uma Bottega Del Mondo. É uma dessas lojas de utopia espalhadas pela Europa, que trabalham em rede, praticando o chamado comércio justo de produtos éticos. Dá-lhe comprar sem culpa, como fazem os "scuppies" (Standing for Socially Conscious Upwardly Mobile Persons), consumidores que mesclam atitudes hippies e yuppies, esforçando-se para harmonizar consumo requintado e preocupação ecológica.
Não é porque o negócio é todo comprometido com cooperação social, responsabilidade ambiental e comunidades em risco que se encontram ali artesanato tosco, reciclados ridículos ou camisetas piegas. No máximo, uma "t-shirt" zoando, num trocadilho infame, a grife Valentino: "Violentino".
O templo milanês do consumo solidário tem quatro ambientes aconchegantes. Parece uma casa onde acontece um bazar informal, mas tudo é disposto de um jeito que faz o visitante abrir a mão. Tem jóias étnicas incríveis e jeans orgânicos sem logo, mas com preço transparente, como tudo ali, aliás. Quem quiser fica sabendo onde, como e por quem foi feito cada item exposto e que porcentagem exata das vendas vai para o produtor.
Atrai mais o artesanato, de várias partes do mundo. Se você é turista atrás de suvenir, tem esse porém: a maior parte das coisas vistosas, nesse armazém de economia solidária, é feita em países pobres, não na Itália. Nem lá, nem na China. Mas, na divisão dos produtos alimentícios naturais, tem um monte de delícias saídas de cooperativas rurais italianas: biscoitos, temperos, chocolates... Não é a camisa do Milan, mas não pesa na mala, no bolso ou na consciência.


ONDE ENCONTRAR
Bottega Del Mondo via Mercato, 24, Brera
www.coopfilo.it



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