São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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FAZENDO ÁGUA

Enquanto o consumo aumenta e a escassez preocupa, o mercado de águas fabrica mais promessas e fica cada vez mais sofisticado

Insossa, inodora e incolor?

DÉBORA MISMETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Bons tempos aqueles em que você só precisava decidir entre "com" ou "sem gás", na hora de comprar uma garrafa de água. O que move o mercado hoje são águas "especiais", saborizadas ou de propriedades funcionais.
Segundo a consultoria Zenith, que acompanha o setor em escala global, a classe de produtos que mais cresceu em 2007 foi a das bebidas com menos de 25% de suco -onde entram as águas com sabor. Esse segmento cresceu 6,7%, alavancado pelo surgimento das bebidas funcionais. A água mineral cresceu em 6,1% e ultrapassou os refrigerantes.
No Brasil, a Danone acaba de lançar a água Bonafont, que tem como atrativo o baixo nível de sódio. Além de não contribuir para o acúmulo da substância, a novidade ajudaria a eliminar o sódio presente no organismo. Mas o rótulo nada informa a respeito, porque a lei brasileira não permite.
O presidente da Abinam (Associação Brasileira da Indústria de Águas Minerais), Carlos Alberto Lancia, diz que o setor luta há anos para anunciar as funções terapêuticas de seus produtos. "Água não é tudo igual. Deixamos de criar um mercado por causa de barreiras", afirma.
Outro mercado importante é o das águas "premium". Ainda não há essas bebidas de luxo produzidas em território nacional, mas isso deve mudar com o início da fabricação da Equa. A origem da água será um aqüífero da floresta amazônica. O produto teria menos partículas dissolvidas do que qualquer outro à venda hoje. Para o presidente da Abinam, o país ainda não está pronto para esse tipo de água. "O mercado brasileiro não paga o preço disso", diz Lancia. Mas há quem pague.
Mesmo sem função para organismo ou uma origem especial, as águas encontram meios de subir seus preços com investimento em design de embalagem. A francesa Evian contrata estilistas para desenvolver garrafas em edição limitada. Em 2007, Christian Lacroix fez duas versões: a mais cara foi leiloada por US$ 23 mil (R$ 54 mil). Para 2009, o lançamento da marca são as garrafas boladas por Jean-Paul Gaultier.
Segundo Paulo Al-Assal, diretor do birô de tendências Voltage, essas águas luxuosas estão na contramão do movimento de consumo consciente. "Você está comprando uma garrafa ou a água?". Ele afirma que as águas especiais que podem cair no gosto dos brasileiros são mesmo as funcionais.
A americana Function Drinks tem uma cartela de sabores que prometem ajudar a relaxar, a perder peso e até a evitar doenças. Um deles é o Urban Detox (desintoxicação urbana), que limparia o corpo de poluentes e daria uma mãozinha para superar a ressaca.
Para Dan Waitzberg, professor de gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP, os efeitos prometidos pelas águas funcionais são possíveis. "Há componentes antioxidantes, como o chá verde e a vitamina C", diz Waitzberg, 57. Mas é preciso estar atento à concentração das substâncias em cada dose das bebidas. "O Urban Detox tem 24 mg de vitamina C em cada garrafa, sendo que a quantidade recomendada por dia é de 90 mg. As pessoas se esquecem de comer frutas e legumes e esperam alternativas industrializadas ao que a natureza oferece de graça", diz.


Produtos reduzem desperdício

CYRUS AFSHAR
DA REPORTAGEM LOCAL

Mangueira na mão e água jorrando para lavar o carro ou a calçada. Mais do que um símbolo do desperdício que acontece todos os dias nas cidades, a cena é motivo de preocupação.
No Estado de São Paulo, a disponibilidade hídrica é pobre (2.200 m3 por habitante) e, em sua capital, o nível é crítico, segundo a classificação da ONU: apenas 200 m3 de água por pessoa. Segundo Ricardo Chahin, coordenador do Programa de Uso Racional da Água da Sabesp, cerca de 50% da água consumida pelos paulistanos é "importada" de bacias vizinhas. E boa parte dessa água é destinada ao consumo doméstico.
Algumas medidas simples podem fazer a diferença. Este mês a Sabesp lançou um programa para incentivar a medição individual em condomínios, que resulta em uma conta "personalizada". Essa mudança deve gerar uma economia de até 20%.
Alguns produtos também ajudam a combater o desperdício. As empresas do ramo de metais e louças sanitárias Roca e Deca lançaram em 2007 e neste ano descargas de dois níveis (3 litros e 6,8 litros) que poupam até 60% de água. Os vasos sanitários respondem por 14% do consumo doméstico de água.
"A tendência clara, que já aconteceu na Europa, é que esse modelo [fracionado] se torne mais barato e o antigo desapareça", diz Sérgio Melfi, gerente de vendas e marketing da Roca.
Outro produto que pode ajudar a poupar água é o arejador. Localizada no bico da torneira, a peça mistura a água com o ar, aumentando o volume consumido, sem aumentar o gasto de água. A economia pode chegar a 76%, segundo a Sabesp.
O esforço de economizar em casa não é inútil. Mais de 70% do faturamento da Sabesp vem das contas das residências. Os paulistanos consomem 220 litros por dia em média (incluindo aí uso comercial e industrial), nível considerado excessivo. O recomendado pela ONU é de 110 litros por pessoa. "O maior vilão não é a torneira, são as pessoas. Usando a água racionalmente em casa, a economia pode chegar a 10%", diz Chahin.
"O problema é que há uma inércia muito grande quando o assunto é água. As pessoas pensam que vivemos em um país com muita água, o que é verdade. Mas há escassez nos grandes centros urbanos", afirma Wilson Passeto, da ONG Água e Cidade, que trabalha a questão do uso consciente da água em escolas e empresas. Chahin ressalva, porém, que o consumo de água por habitante vem baixando em São Paulo. "Durante os "apagões" de água de 2001 e 2003, houve racionamento, e o consumo baixou. Quando o fornecimento voltou, o consumo ficou abaixo do que era antes".
Mas boa parte do desperdício acontece antes de a água chegar à população. No Brasil, 45% da água é perdida -principalmente em vazamentos-, segundo estudo de 2007 do Instituto Socioambiental. No Estado de São Paulo, o número cai um pouco e chega a 30%, e, na capital paulista, 18% da água vai embora pelo ralo antes de ser usada.
Apenas 2,5% da água do mundo não é salgada. Desse total, apenas 0,3% está na superfície, em rios e lagos. De acordo com a FAO, 923 milhões de pessoas têm pouco acesso à água, e o quadro deve piorar: até 2025, quase 2 bilhões de pessoas vão morar em países ou regiões com absoluta falta de água.



>> A brasileira Bonafont, tem BAIXO TEOR DE SÓDIO e vem de uma fonte em Minas Gerais.
R$ 0,99 a garrafa de 500 ml, da Danone

>> ÁGUA FUNCIONAL Urban Detox, que promete ajudar a desintoxicar o corpo de poluentes e diminuir os efeitos da ressaca. US$ 1,50 (R$ 3,50) cada uma, vendida em caixa com 24 unidades no site da fabricante, www.functiondrinks.com

>> A CANADENSE AQUADECO vem de "geleiras formadas antes da era glacial". US$ 11,50 (R$ 27) cada uma, em caixa com 6 unidades, no Aqua Maestro, www.aquamaestro.com

>> CRAVEJADA DE CRISTAIS, a garrafa é uma edição especial Dubai da Bling h2o.
Custa 2.500 euros (R$ 8.200) na Spring Water Shop, www.springwatershop.com

>> NOVO SABOR PÊSSEGO, da linha de águas da Ouro Fino, lançado em novembro

>> FEITA PARA CRIANÇAS, a Balance Water tem "extratos semelhantes aos florais de Bach", diz o fabricante.
US$ 1,67 (R$ 3,95) cada uma, vendida em caixa com 24 unidades, no Aqua Maestro, www.aquamaestro.com

>> A garrafa de água mineral com BAIXO TEOR DE SÓDIO da Ouro Fino é "assinada" pela atriz Priscila Fantin

>> GARRAFAS DESENHADAS PELOS ESTILISTAS Jean-Paul Gaultier, e Christian Lacroix, para Evian. Custa 4,95 euros cada uma (R$ 16,20) na Spring Water Shop, www.springwatershop.com

>> ÁGUA FUNCIONAL Y Water, feita para crianças, tem altas concentrações de zinco e magnésio, o que pode não ser uma vantagem, dependendo da quantidade consumida. US$ 1,67 (R$ 3,95) cada uma, vendida em caixa com 24 unidades, na www.amazon.com


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