São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

O GRANDE PAPAGAIO BRASILEIRO

Financiamentos são fundamentais para ativar a economia, mas não com os juros dos bancos brasileiros

MARIA É UM DOS 15 milhões de brasileiros que têm dívidas acima de R$ 5.000. Ela sempre foi uma pessoa que primeiro acredita, e só descrê quando tem fortes razões para isso. Maria acreditou que chegara a hora de a classe operária ir para o paraíso. Talvez, a passeio, ao bairro do Paraíso, logo após a avenida Paulista. Nada mais do que isso.
Sua avó, dona Aparecida, também deve uma vela para cada santo, como se dizia quando ela era uma garotinha. Deve a aposentadoria e muito mais, pois fez o empréstimo consignado e uns carnês de crediário. Também não vai para o Paraíso, quando muito até a Vila Mariana. Ou à Ana Rosa.
Seu Onofre, que dança com ela no baile da "melhor idade", como inventaram agora, "e é apenas um bom amigo", sempre andou de cabeça erguida, pois os cobradores nem sabiam seu endereço. Hoje, sabem. Foi difícil resistir à TV digital. Bem, a dívida está aí, para ficar, mas a TV, pura enganação, amargo engano.
Até o jovem Duda, com seus 20 anos de praia, recebe todo tipo de proposta para utilizar o fabuloso financiamento, pré-aprovado, daquele banco que só cobra 6% ao mês. Mais ou menos a inflação prevista para 2008. E um dia caiu nessa fria.
Todos devem, não negam, mas duvidam que possam pagar em dia. Não entendem muito bem como o que devem pode ser várias vezes superior ao que tomaram emprestado, em função de juros sobre juros, correção, multas etc. Ninguém falava nisso na hora de oferecer o crediário, o empréstimo, o financiamento.
À noite, eles dormem mal, demoram a pegar no sono, e qualquer ruído os acorda. Os pesadelos têm muitos cifrões, índices, protestos e cobradores. Durma-se com um barulho SPC desses.
São 15 milhões de pessoas, ou a população do município de São Paulo somada às de Belo Horizonte e de Porto Alegre. Todos devem muito, porque houve uma política deliberada de substituir aumento de renda por crédito farto.
Ora, financiamentos são fundamentais para ativar a economia. Mas não com os juros praticados no Brasil, por bancos com o beneplácito governamental.
Ainda mais quando se tem de pagar serviços básicos em dobro: uma carga sueca de impostos, serviços públicos de oitava categoria. Então, impostos e escola particular. Impostos e plano de saúde. Impostos e segurança privada. Impostos e seguro para o carro.
Quinze milhões de brasileiros empinam um gigantesco papagaio e devem fazer o impossível para renegociar suas dívidas, talvez ingressando na Justiça. Pois ao menos terão uma chance, considerando-se as decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com relação a taxas de juros abusivas cobradas de consumidores de baixa renda.
Um conselho: quem deve mais do que um terço do salário mensal, exceto as dívidas de longo prazo, para financiamento imobiliário, por exemplo, deve estabelecer uma "lei seca" de gastos, até recuperar o controle de suas finanças. Não há calmante nem sonífero melhor do que sair da mão dos agiotas mais conhecidos como banqueiros.


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