São Paulo, sábado, 29 de novembro de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

Falta combinar com o cidadão


Se as medidas contra a crise não considerarem a renda familiar dos brasileiros, estarão fadadas ao fracasso

MUITO SE TEM DITO e escrito sobre o furacão econômico-financeiro que está abalando o mundo, principalmente os países desenvolvidos. Quase que diariamente, os governos de países ricos ou remediados, inclusive aqui, no Brasil, sacam alguma medida do coldre para tentar abater a crise antes que ela nos engula.
A maior parte das providências visa abrir as torneiras do crédito, emperradas pelos bancos, pois o capital é um bicho para lá de arisco, que, ao primeiro sinal de perigo, foge para tocas mais seguras.
Parece-me, contudo, que estão olhando para um lado só do balcão: para as necessidades dos empresários, dos banqueiros, dos grandes produtores rurais.
Falta, no entanto, combinar com o consumidor. Mesmo que haja crédito, se não houver emprego nem renda, quem comprará produtos e contratará serviços? Se os consumidores forem tratados preferencialmente como contribuintes, de quem se arranca o couro, sofreremos mais do que o indispensável.
Por isso, seguem algumas propostas de quem enxerga o lado de cá, de quem compra e mantém indústria, comércio e serviços funcionando.
1. Correção na tabela do Imposto de Renda da pessoa física, para que sobre um pouco mais de salário no ano que vem;
2. Concessão de desconto maior no IPVA pago à vista;
3. Idêntica medida no IPTU;
4. Contrapartida de manutenção de empregos, exigida de empresas que recorrerem a empréstimos em bancos públicos.
Afinal, o dinheiro que irriga segmentos econômicos em dificuldades é de toda a sociedade. Logo, nada mais justo que, além de ajudá-los, defender empregos e renda.
Por isso, uma sugestão adicional: calma com o andor das fusões e aquisições, que, invariavelmente, significam redução de empregos e concentração de mercado.
Se as medidas paliativas contra a crise não considerarem a renda familiar dos brasileiros, estarão fadadas ao fracasso. E às tristes conseqüências de sempre: o peso mal distribuído que recai sobre as costas dos menos aquinhoados.
Há, por aqui, algumas características que não se repetem nos países do Primeiro Mundo.
Milhões de brasileiros ainda precisam comprar imóveis, colchões, geladeiras, fogões e veículos. Dezenas de milhões não se alimentam bem, não têm lazer, educação e saúde. Temos uma Amazônia e um cerrado inteiros para cuidar.
Nossas grandes cidades carecem de infra-estrutura, de transporte coletivo de qualidade. Tudo isso está nas mãos dos novos prefeitos ou dos reeleitos. E dos governos estaduais e federal.
Que, se pensarem no cidadão como um consumidor com pouco dinheiro no bolso, talvez enxerguem a luz para iluminar nossos problemas: menos voracidade fiscal. Ou a crise e suas conseqüências.

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br



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