CINEMA

Pergunte ao Pó

Adaptação descamba para o melodrama

Ricardo Calil

"Pergunte ao Pó" prometia ser um casamento ideal: o livro de John Fante, clássico da literatura norte-americana lançado em 1939, levado ao cinema por Robert Towne, o excepcional roteirista de "Chinatown" (1974).

Mas o resultado é um manual sobre como não se deve fazer uma adaptação. Towne acalentou o projeto de transportar o livro de Fante às telas por 30 anos, mas errou a mão tanto no roteiro quanto na direção do filme.

O texto original mostra as desventuras de Arturo Bandini, ítalo-americano que se muda para um hotel de Los Angeles na década de 30 com o objetivo de se tornar um grande escritor. Enquanto luta contra a miséria, a exclusão social e as páginas em branco, ele se apaixona pela garçonete mexicana Camila Lopez.

Na primeira metade do filme, essa história encontra uma tradução cinematográfica anêmica. Para tanto, contribuem as interpretações pouco inspiradas do casal de protagonistas: Colin Farrell como Bandini, Salma Hayek no papel de Camila. Ao menos os elementos originais da trama estão presentes, e há uma proposta estética: um filme noir sobre a criação literária.

Na segunda metade, porém, "Pergunte ao Pó" vira apenas um romance inter-racial, elevando uma subtrama ao centro da narrativa e descambando para o melodrama. Só é possível enxergar esse falso movimento dentro do filme como uma ingerência do estúdio.

Por meio do alter ego Arturo Bandini, John Fante defende a necessidade de um escritor encontrar uma voz própria, transformar sua vivência em literatura. Já Robert Towne mostra o que ocorre a um artista talentoso como ele quando cede às convenções hollywoodianas e faz concessões (fracassadas, por sinal) para agradar ao grande público.