Black Friday & investimentos

Instituições financeiras abordam investidores utilizando ofertas típicas da data

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Chamaram a minha atenção anúncios atraentes, coloridos, com linguagem e dizeres típicos das propagandas do Black Friday, que não vendiam produtos de consumo, mas produtos de investimento!

Minha estranheza se explica pelo fato de que as boas práticas recomendam que a oferta de investimentos seja feita após análise cuidadosa da adequação (suitability) do produto ao consumidor, ao nível de tolerância a riscos e objetivos de investimento. Etapa ignorada.

O anúncio salienta apenas a rentabilidade da aplicação, omitindo os riscos envolvidos e outras implicações. 

Uma simplificação perigosa, com um agravante: a linguagem usada em algumas ofertas pode induzir o consumidor ao erro de estabelecer expectativa equivocada em relação à rentabilidade.

A oferta de uma LCI de um ano, por exemplo, a 97% do CDI, afirma entregar “renda 27% acima da poupança”. A proposta registra dois percentuais, informação pouco clara para muitas pessoas, e nenhum deles se refere à rentabilidade da operação com clareza.

Será que alguém pensou na chance de ganhar cerca de 31,5%, somando 27% aos 4,5% da poupança?

Lamentavelmente, eu diria que sim.

O anúncio avisa, em letrinhas miúdas, que considerou rendimento de 0,42% ao mês para a poupança. O argumento se sustenta apenas em relação à caderneta nova, esquecendo que existe também a antiga (saldo existente em 3/5/2012 e que rende 0,5% ao mês mais TR).

Analise-se a oferta sob as seguintes premissas: taxas anualizadas e estáveis, a poupança corrigida pela taxa Selic (6,5% ao ano), e a LCI, pelo CDI (6,4% ao ano). A TR (valor zero) não será considerada. Poupança nova = 70% de 6,50 = 4,55%; LCI = 97% de 6,40 = 6,21%. O ganho da LCI em relação à poupança é de 1,66 ponto percentual em um ano (6,21 – 4,55).

Um anúncio sério diria: invista em LCI de um ano a 97% do CDI e ganhe 1,66 ponto percentual acima da poupança nova. Números relativamente discretos e, talvez, pouco sedutores para convencer o investidor a fechar negócio.

Com outro enquadramento (a psicologia econômica chama de framing), a mesma situação é apresentada sob um ângulo que, embora verdadeiro, tende a induzir o consumidor ao erro de estabelecer expectativa equivocada de retorno.

Se dividirmos 4,55 (poupança) por 6,21 (LCI), saberemos que o primeiro representa 73% do segundo, sendo possível afirmar que o segundo é 27% superior ao primeiro. A que oferta você atribuiu o maior poder de sedução, capaz de atrair a atenção e a decisão de compra do investidor:

a) ganho de 1,66 ponto percentual acima da poupança nova; ou

b) renda 27% acima da poupança?

A vantagem não é desprezível, e, depois de entender com clareza a diferença entre as duas opções, é possível, e até provável, que alguns investidores decidam pela alternativa b, já que ambos, poupança e LCI, são isentos do Imposto de Renda e garantidos pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), sendo possível compará-los.

A crítica se refere ao enquadramento escolhido para apresentar a oferta e à falta de clareza e transparência para a tomada de decisão consciente do investidor.

Se a moda pegar, os órgãos reguladores do mercado financeiro e mercado de capitais terão de abrir uma nova frente de fiscalização: a estratégia de marketing na oferta e distribuição de produtos de investimento, especialmente na Black Friday.

Não mexa na poupança antiga, se você ainda tiver dinheiro lá. Na semana que vem conversaremos sobre isso.

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