Farta pesquisa dá fôlego a livro sobre história da nossa língua
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"Muitas Línguas, uma Língua", de Domício Proença Filho, é um livro ambicioso que busca sumarizar em mais de 600 páginas "a trajetória do português brasileiro", como informa o subtítulo.
Ao mesmo tempo, em defesa prévia contra os malogros inerentes a empreitada tão ciclópica, o autor —que é membro da Academia Brasileira de Letras— afirma já no início que o trabalho "constitui, deliberadamente, um esboço".
Esse caráter de esboço é provavelmente inseparável da decisão tomada por Proença Filho de evitar todo recorte que lhe possibilitasse dar profundidade a matéria tão vasta, optando, ao contrário, por sobrevoos mais ou menos alentados em questões históricas, políticas, estéticas, educacionais, ortográficas etc.
A obra pode ser enquadrada, assim, na categoria acadêmica da "revisão de literatura", propondo uma espécie de história das histórias e interpretações sobre o português brasileiro. E é como tal que mais se aproxima de realizar a contento sua ambição.
O capítulo "O Romantismo e a Língua", para ficar num só exemplo, resgata com hábeis recortes de textos da época um debate hoje quase esquecido sobre a aurora de nossa autonomia linguística e literária.
Para o leitor não acadêmico, curioso sobre a história de seu idioma natal, o percurso pode ser penoso não só pela extensão, mas também por dispensar dois recursos da divulgação científica: o foco em curiosidades "humanas", típico dos historiadores pop, e a ousadia ensaística de selecionar apenas os fatos necessários à demonstração de uma ou mais teses iluminadoras.
A primeira dessas armas pode ser considerada frívola, mas a segunda teria utilidade, nem que fosse apenas para impedir o autor de, obrigado a falar de tudo um pouco, recorrer a platitudes como esta: "Os termos de gíria, com poucas exceções, têm suas origens em épocas e locais distintos".
O estilo da obra contribui em muitos momentos para dificultar a leitura. Há um abuso de frases sem verbo, como se o autor tivesse feito anotações que, ancorado no álibi do "esboço", abriu mão de desenvolver: "No porto de Lisboa, a gente, a corte, a surpresa".
Em momentos poéticos, o estilo parece traduzir um rebuscamento datado -e não apenas no aspecto textual. Como nesta síntese romântica da contribuição africana: "Gera morenos e mulatos, em leito de carne branca, e cafuzos, em redes avermelhadas. O leite branco de negras passa de beiços a lábios. Deixa ginga, cria bossa, trejeitos de malandragem da melhor malandraria".
No entanto, o fôlego da pesquisa, a farta reprodução de documentos históricos e as remissões à bibliografia listada em 26 páginas garantem o interesse do livro para estudiosos da matéria.