Descrição de chapéu

 'O Processo', de Maria Augusta Ramos, se arrisca em percurso exaustivo

Escolha por narrar impeachment de dentro do Congresso deixa perguntas sem resposta

Cena do documentário "O Processo", de Maria Augusta Ramos - Divulgação

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Inácio Araujo

O PROCESSO

Avaliação: Regular
  • Quando: em SP, dom. (15), às 17h e às 20h no IMS; no Rio, ter. (17), às 20h30 e qua. (18), às 18h, no Estação Net Botafogo
  • Produção: Brasil, 2017
  • Direção: Maria Augusta Ramos

"O Processo", nome que Maria Augusta Ramos deu ao seu documentário sobre a destituição de Dilma Rousseff, tem mais de um sentido.

O filme reproduz, é verdade, o processo completo que levou ao impeachment da então presidente. Mas também nos leva em linha reta ao romance de Kafka, um dos pilares da literatura moderna.

O risco é certo, pois, como se sabe, a história tem o mau hábito de se repetir como farsa. Quero dizer que a opção da autora é perigosa: retomar o caminho que tirou Dilma e o PT do poder, tal como se deu no interior do Congresso Nacional, com o enfrentamento entre parlamentares situacionistas e oposicionistas, pode ser um percurso exaustivo.

Ou, especificando um pouco mais a questão: existe interesse em rever aquilo que já conhecemos mais ou menos perfeitamente, ao longo dos penosos meses em que se desenrolou esse processo?

Logo no início de "O Processo", um senador aponta que estamos diante de "um jogo de cartas marcadas".

Ele está correto. Qual o interesse do espectador de revisitar um jogo que, ele também sabe, tinha o final determinado já no início? Em que pouco importava ter a presidente cometido crime constitucional ou não: a oposição estava lá para degolá-la.

Em contraposição, pode-se imaginar que, daqui a algumas décadas, "O Processo" sirva para que novas gerações saibam como se deram certos fatos tragicamente cômicos ou vice-versa. Ou para estrangeiros conhecerem o funcionamento exótico do Legislativo brasileiro desse momento.

Para o espectador brasileiro de hoje, esses fatos são todos muito recentes e não raro um teatro burlesco. Alguns momentos, no entanto, merecem ser destacados.

Num deles, o senador Roberto Requião enumera, de cabo a rabo, o que seria o programa do futuro governo Temer. Algo que não me lembro de Temer explicitar na época (e, a bem dizer, nem hoje).

Mais ao final, o mais relevante: o ex-ministro Gilberto Carvalho dá início a profunda autocrítica do exercício do poder pelo PT.

Certo ou errado, é interessante notar alguém que percebeu no ato a extensão e buscou explicações para o desastre do PT. Vale por ser um momento em que alguém procura explicar como se criou a enorme derrota midiática e política que precedeu a queda de Rousseff.

Dito isso, a proposta do filme de limitar-se a observar Congresso e congressistas termina por deixar sem resposta inúmeras questões.

Para ficar em apenas uma, que sucede a deposição: existirá uma relação entre a festa do impeachment e o atual estado de desmoralização das instâncias republicanas? De um estado de coisas em que decisões de juízes do STF são discutidas nos botequins com a mesma desenvoltura com que se discute o juiz de Palmeiras x Corinthians?

Que existe algo errado que ficou pelo caminho, existe. "O Processo" optou por fixar-se num momento preciso (e exaustivo). Não abordar o presente senão por letreiros alusivos a consequências, digamos, penais é o limite que a autora escolheu.

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