Artista e ativista Ai Weiwei expõe no Qatar instalação sobre refugiados

Obra do chinês, que vem ao Brasil neste ano, foi feita com objetos deixados na ilha de Lesbos

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Londres

Quando o artista e ativista chinês Ai Weiwei se mudou de Pequim para Berlim, em 2015, prometeu que se afastaria daquele que até então era o foco principal de sua prática criativa: a China.

“Quero esquecer a China e fazer algo que me surpreenda”, ele disse em setembro de 2015. “Por que tenho que ser rotulado? Não sou vendedor de carros. Nada pode substituir a liberdade, e esse é um desafio. Estou pronto para ele.”

Nos dois anos e meio passados desde então, Weiwei identificou um tema profundamente desafiador sobre o qual trabalhar: a crise mundial de refugiados alimentada pela guerra civil na Síria e a migração de mais de 5,4 milhões de sírios. 

Recentemente ele instalou 17 cercas e abrigos de ônibus espalhados por Nova York, num trabalho intitulado “Good Fences Make Good Neighbors” (“boas cercas fazem bons vizinhos”), e lançou um documentário, “Human Flow - Não Existe Lar Se Não Há para Onde Ir”.

Instalação de Ai Weiwei é formada por 2.046 peças de vestuário abandonadas por refugiados - Divulgação

Weiwei abriu agora uma exposição no espaço de arte Fire Station, em Doha, no Qatar, sua primeira mostra na região do Golfo. A atração principal é “Laundromat” (“lavanderia”), instalação composta de 2.046 artigos de vestuário abandonados por refugiados expulsos à força da ilha grega de Lesbos.

Em entrevista por e-mail, o artista recordou que viu muitos refugiados quando chegou à cidade, em 2015, e decidiu fazer uma viagem curta até Lesbos para conhecer alguns dos homens, mulheres e crianças que estavam fazendo a perigosa travessia do Mediterrâneo na esperança de se radicarem na Europa continental.

“Vi as provações pelas quais eles estavam passando e como a Europa hesitou e deixou de agir”, disse Weiwei. “Naquele momento, senti como se estivesse sendo atingido por um veículo em movimento. Aquilo destruiu minha fé no establishment.”

O artista retornou à ilha em janeiro e fevereiro de 2016 para testemunhar o que estava acontecendo em um campo improvisado em Idomeni, onde refugiados da Síria, Afeganistão, Paquistão, Iraque e Irã aguardavam o momento de atravessar a fronteira da Macedônia, em sua rota de entrada na Europa continental. 

Em março de 2016, quando a Macedônia fechou sua fronteira com a Grécia, milhares de migrantes ficaram na ilha, sem meios de sair dela. Dois meses mais tarde, foram retirados pelas autoridades.
“O que restou do acampamento foi muito lixo e devastação, como o que se veria em uma zona de guerra”, comentou. “Decidimos recolher o que sobrara das coisas que os refugiados tinham carregado em sua viagem —roupas, barracas, objetos pessoais, muitos estavam enlameados e quebrados. Tinham sido descartados.”

Esses objetos foram levados a Berlim, onde foram lavados, secados, consertados e pendurados sobre suportes, como se estivessem numa barraca de feira. O resultado foi a instalação “Laundromat”, vista primeiramente na galeria Deitch Projects, em Nova York, em 2016. A xeica Al-Mayassa bint Hamad bin Khalifa al-Thani, presidente dos Museus de Qatar, viu a instalação e pediu para exibi-la em Doha.

Os trabalhos mais recentes de Weiwei ligados a refugiados foram bem recebidos, de modo geral. 

Algumas das intervenções anteriores, porém, foram menos apreciadas, como quando o artista se fez fotografar deitado de bruços na praia, na mesma posição em que foi encontrado um menino sírio de 3 anos de idade, Alan Kurdi, que morreu afogado. 

“Há algo de patético em vermos Ai Weiwei indo se deitar sobre a areia para estetizar o sofrimento de outros”, comentou o artista britânico Jake Chapman em entrevista à Artnet em janeiro de 2017.
O crítico de arte Jonathan Jones concordou com Chapman. “Como arte é risível, como política é inútil e presunçoso, como gesto humano é grotescamente inepto.”

Na entrevista por e-mail, Weiwei fez pouco caso da condenação como um todo. 

A exposição em Doha, que ficará até 1º de junho, também inclui um mural de 17.062 fotos de um grupo que Weiwei fez quando filmou seu documentário, além de um filme e algumas esculturas.

Para Weiwei, a única maneira de resolver a crise humanitária seria que todos os países do mundo cooperassem, incluindo os do Golfo, a China e os Estados Unidos. O fato de os países do Golfo não estarem recebendo mais refugiados é, para ele, “um sinal claro de quão dividida a sociedade pode ser”.

“Em vez de ser exclusivista, míope e covarde, cada estado precisa arcar com a responsabilidade. Não podemos rejeitar a ideia de que a humanidade é uma só.

The New York Times, tradução de Clara Allain

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