Descrição de chapéu

Menos divertido, Letterman ainda surpreende em sua volta, na Netflix

Em formato que dispensa pressão por ser cômico ou noticioso, programa online ganha dinamismo

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Nelson de Sá
São Paulo

O Próximo Convidado Dispensa Apresentação - com David Letterman

Avaliação: Ótimo
  • Onde: Na Netflix
  • Classificação: 12 anos

Falta só mais uma, das seis entrevistas encomendadas, para acabar a primeira e talvez única temporada de David Letterman, 71, na Netflix.

Vai terminar a experiência que o levou de volta à televisão ou algo parecido, três anos após se despedir dos recordistas 6.000 programas de "late night" que apresentou na NBC e na CBS, de 1982 a 2015.

"O Próximo Convidado Dispensa Apresentação" é uma TV muito diferente daquela diária, nas madrugadas, a quente. Com mais liberdade, menos constrangimento.

O elenco de entrevistados, por exemplo, foi mais enviesado politicamente, o que talvez acabe por garantir a renovação. O primeiro foi o ex-presidente Barack Obama, e a Netflix vem de convocar Susan Rice, ex-assessora de Segurança Nacional de Obama, para seu conselho de administração.

Apesar de ter chamado celebridades do noticiário, como o ex-presidente ou a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, a grande novidade foi se desligar das notícias. As entrevistas são mensais e não tratam de questões do dia.

Letterman e seus convidados falam de temas vagos e nem sempre engraçados, da família, do passado, como se conversaria com um amigo.

A exemplo dos projetos de Jerry Seinfeld na mesma Netflix ("Comedians in Cars Getting Coffee") e do velho adversário Jay Leno, hoje no canal CNBC, após ter começado só na internet ("Jay Leno's Garage"), a pressão e a sofreguidão da TV linear ficaram para trás.

São bate-papos que parecem ignorar a necessidade de audiência, com roteiros improvisados, e não escritos por equipes de redação.

Não se percebe mais urgência, de nenhum dos três, em ser cômico, em vencer a corrida pela melhor piada sobre o fato do dia ou da semana.

Letterman nem faz mais o stand-up inicial dos antigos programas. Tem plateia, entra e conversa com ela rapidamente e chama o convidado.

O contraste com aquilo que ainda fazem Stephen Colbert (CBS) ou Jimmy Fallon (NBC) é chocante. Talvez pela queda no público das redes abertas, talvez pela influência cada vez menor dos programas de "late night" na era Trump, a sensação é de maior dinamismo e contemporaneidade em "O Próximo Convidado".

Com sua "barba bíblica", como descreveu Obama, ao longo dos programas foi Letterman o alvo de ridicularização pelo convidado, até mesmo de Malala, e não o contrário —o que soa inusitado, para quem o conheceu sarcástico na TV.

As conversas começam e terminam no ar, sem objetivo, o que às vezes resulta em superficialidade, como ao tratar dos atuais projetos anódinos de Obama, mas também dão chance para revelações e momentos de emoção.

A mais recente entrevista, com Tina Fey, a melhor das cinco já apresentadas, tirou lágrimas da comediante ao lembrar do orgulho que deu a seu pai —e também ofereceu uma lição feminista ao próprio entrevistador.

Ele tentou justificar por que seus programas não tinham mulheres entre os redatores, com uma piada de que elas não iriam querer trabalhar 12 horas, no que Fey cortou: "É, nós queríamos trabalhar, sim".

Gravada antes da indicação da comediante ao prêmio Tony pelo roteiro do musical "Mean Girls", a conversa foi carregada de lembranças sobre seu início no teatro de improvisação, em Chicago, ao lado do marido pianista —agora o compositor do musical.

Mais longo, menos tenso e também menos divertido, "O Próximo Convidado" não tem banda nem lista dos dez mais. Não tem bancada ou xícara de chá; só duas cadeiras num palco baixo, mas funciona.

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