Shyamalan se rende aos super-heróis em thriller psicológico 'Vidro'

Diretor de 'Sexto Sentido' apresentou painel sobre seu novo longa na Comic Con, em SP

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Guilherme Genestreti
São Paulo

Quando o diretor M. Night Shyamalan lançou “Corpo Fechado”, em 2000, ouviu de seu estúdio que teria de camuflar o quanto do filme era influenciado por histórias em quadrinhos. “Falavam que não era vendável”, lembra. 

Agora que as franquias de super-herói já estão consolidadas como sinônimo de blockbuster hollywoodiano, o cineasta não precisa mais de pudores para abraçar o gênero.

“Se eu voltasse no tempo, diria a mim mesmo que estava no caminho certo”, afirma o cineasta à Folha, horas antes de apresentar um painel na Comic Con Experience, feira de cultura pop em São Paulo.  

“Vidro”, que estreia em janeiro nos cinemas, é o produto dessa entrega despudorada. Junta os personagens de “Corpo Fechado” ao psicopata de 24 personalidades que James McAvoy interpreta no thriller “Fragmentado”, de 2016. 

Isso não significa que o cineasta bata na mesma tecla desgastada dos filmes da Marvel e afins. Seu olhar original escava aspectos filosóficos da figura do super-herói. David Dunn (Bruce Willis), o vigilante que se descobre inquebrável após sobreviver a um acidente, voltará a confrontar o Sr. Vidro (Samuel L. Jackson), seu nêmesis de ossos frágeis e intentos para lá de perversos. 

“Faz sentido que super-heróis façam sucesso hoje”, diz Shyamalan. “Eles são a nossa versão para a mitologia grega.”

O diretor confinará os três  personagens num hospício, uma ode ao longa que ele diz ser um de seus favoritos, “O Estranho no Ninho”. É naquela instituição que Dunn e o Sr. Vidro terão de duelar para controlar o maníaco de McAvoy .

A premissa, de alguma forma, já existia lá atrás. Shyamalan chegou a cogitar, na primeira versão do roteiro de “Corpo Fechado”, que o personagem de Willis enfrentaria um assassino com transtorno dissociativo de identidade —condição psíquica em que o sujeito alterna entre múltiplas personalidades.

“Mas, no fim dos anos 1990, os filmes eram mais sentimentais, e o dark não era pop”, diz o cineasta, que havia sido catapultado ao primeiro escalão de realizadores graças ao inesperado fenômeno de “O Sexto Sentido”. Resultado? O vilão de várias faces foi cortado. 

Foi só em 2016 que o diretor conseguiu contar a história de Kevin Crumb, o sequestrador vivido por McAvoy. Antes, diz, “nenhum grande estúdio toparia bancar um filme em que garotas são sequestradas, 
há insinuações de estupro e uma velhinha é trucidada”. 

A guinada, pondera, tem a ver com o público. “O tom do cinema mudou. Os espectadores estão interessados nesse tipo de história agora. E eu me inclino a esse lado dark.” 

Shyamalan também viu aumentar certa empatia pelos anti-heróis —e até pelos vilões escancarados, como Crumb. 

“O público enxerga esses caras como pessoas que são más por alguma razão e se interessa pelas batalhas que estão travando dentro de si.”

Toda a obra do cineasta é ancorada nas guerras internas de seus personagens. Ali, os lares com frequência estão na iminência de desmoronar enquanto os personagens têm de lidar com o sobrenatural.

Em “Sinais”, Mel Gibson vive um pastor enviuvado que enfrenta alienígenas na fazenda. Em “A Vila”, descobre-se que o rigor de uma comunidade rural assolada por monstros tem a ver com o passado de seus fundadores. Nos dois casos, o paranormal é costurado com considerações filosóficas, seja sobre fé, como no primeiro caso, ou sobre a postura isolacionista, como no segundo.

A recorrência do tema do trauma é forte nesse cineasta nascido na Índia e criado pelos pais médicos num subúrbio abastado da Filadélfia, palco de suas obras. “Imaginar situações-limite em personagens fictícios é minha terapia.”

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