Gustavo Franco defende valor de moeda nacional em livro
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Gustavo Franco é protagonista polêmico da história monetária recente do Brasil. Não se deve, pois, esperar uma perspectiva distante e desapaixonada do autor de "A Moeda e a Lei". O economista tem lado nessa história, e o defende com garra.
A obra, no entanto, com mais de 800 páginas, vai muito além da argumentação a favor de uma vertente mais radical do liberalismo.
Franco foi peça fundamental na equipe gestora do Plano Real, que debelou a elevadíssima e persistente inflação em 1994, depois de uma década de tentativas frustradas. O economista se destacou por advogar uma moeda supervalorizada como âncora para segurar os preços.
A polêmica se deveu ao custo e ao risco embutido na âncora, pois ela pressupunha juros altos e vulnerabilidade externa. Com efeito, o Brasil passou a sofrer ataques especulativos e não teve como segurar o real.
No início de 1999, no auge da crise, a saída de Franco da presidência do Banco Central sinalizou ao mercado que o governo de Fernando Henrique Cardoso, sem fôlego financeiro, havia desistido de socorrer o real, o que fez a cotação despencar.
Gustavo Franco não entende a moeda apenas como meio de pagamento, reserva de valor ou qualquer outra definição de caráter técnico. Para o economista, a moeda é também um símbolo nacional, "a pátria encapsulada em um pedaço de papel". Sua destruição, portanto, é uma humilhação, o equivalente a "queimar a bandeira e blasfemar contra o hino".
É com essa disposição que Franco defende a moeda, que ele também vê, mais serenamente, como "uma construção social que se confunde com a sociedade que lhe dá existência". Essa moeda –que não tem mais correspondência com o ouro disponível, como no capitalismo da belle époque– é o seu assunto em "A Moeda e a Lei".
Franco estabelece uma linha de corte em 1933, quando, com o fim do padrão-ouro na maior parte do mundo, há uma interrupção do vínculo entre dinheiro e natureza, "passando a moeda ao terreno das convenções", "uma das mais importantes inovações a assinalar o início da era moderna". É nesse ponto, "quando a moeda cria asas" e estimula uma "revolução mental", que Franco começa sua ambiciosa narrativa.
No Brasil, a aventura "papelista" foi marcada por uma sequência de crises. Nos 80 anos cobertos por Franco, o país teve nada menos do que oito padrões monetários, congelamentos e confiscos.
O ovo dessa serpente estaria justamente na criação da moeda fiduciária de curso forçado, ou seja, aquela cuja própria existência é determinada por lei. Mas "não precisava ter ocorrido dessa maneira", argumenta o autor.
O alvo preferencial de Franco são os economistas que propuseram saídas mágicas, sobretudo para encerrar o ciclo inflacionário. Sem muita paciência para o debate, ele despreza a corrente heterodoxa e se limita a reclamar dos "flertes irritantemente longos com caminhos alternativos e buscas recorrentes por refeições gratuitas e unicórnios".
A história contada em "A Moeda e a Lei" é, nas palavras do autor, "principalmente sobre a convergência para os padrões internacionais consagrados". Nessa trajetória, o Plano Real é apresentado como um divisor de águas, e seria falsa modéstia de Franco não registrar, nas entrelinhas, sua contribuição para a mudança de patamar da estabilização monetária verificada desde então.
CRISE
Embora a cronologia do livro se encerre em 2013, Gustavo Franco comenta a crise atual, "flagrantemente desnecessária, a pior dos últimos 200 anos".
Ninguém duvida da gravidade da crise, mas há algum exagero na afirmação, o que pode ser debitado ao estilo às vezes hiperbólico de Franco. Desde o início do Império, o país certamente passou por situações piores.
Por falar em estilo, Franco –como Eduardo Giannetti e Roberto Campos, para mencionar dois liberais citados na obra– é um economista que escreve bem, predicado raro entre seus pares. Com vocação enciclopédica, "A Moeda e a Lei" não sufoca o leitor, que, aqui e ali, vai esboçar um sorriso com as tiradas mordazes do autor.
Para ficar num exemplo, ele agradece o rigoroso exercício da crítica de seus alunos, "inclusive quando manifestada em seu formato mais cruel: o desinteresse".
O leitor pode não concordar com Gustavo Franco, mas não lhe faria essa crítica.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha).