'Não estamos fechando', afirma seu João, da Love Story

Boate do centro da capital está aberta desde 1990

Pista de dança da boate Love Story, no centro de São Paulo - Avener Prad - 26.ago.16/Folhapress

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Ivan Finotti

O Muro de Berlim caiu em 1989 e no ano seguinte ergueu-se no centro de São Paulo a Love Story na rua Major Sertório, 182.

Capitaneando-a estava João Tiago de Freitas. E lá está até hoje, agora aos 68 anos, quando a boate entrou com pedido de recuperação judicial (nesta segunda, 6) com o objetivo de congelar dívidas de R$ 1,7 milhão (90% trabalhistas, segundo ele) para pagá-las em parcelas sem juros ou multas.

Após as 17h50 desta terça (7), quando foi noticiado que o Love Story estava mal das pernas, seu João, como é conhecido pelos funcionários, clientes e prostitutas que frequentam sua casa, recebeu cerca de 20 telefonemas.

Todos de interlocutores preocupados. A todos, seu João disse o mesmo: “Não está acontecendo nada, não estamos fechando. Só estamos tomando um fôlego para pagar.”

O Love Story, que leva o aposto de A Casa de Todas as Casas, por ser a última a abrir e a última a fechar na zona da boca do lixo, teve uma queda de faturamento de R$ 4,3 milhões em 2016 para R$ 3 milhões em 2017.

A crise fez cair a movimentação da casa de 500 para 200 por noite, de terça a sábado. Foram demitidos 30 funcionários. Não foi possível pagar as rescisões da boate que funcionários desde 1990. Em 2000, a Love Story pulou dois quarteirões, da Major Sertório para a rua Araújo, 232. Total: 28 anos.

“Ei, que jaqueta bonita! Eu sou gaúcha!”. À 1h de terça, ou melhor, já é quarta (8), não há ninguém na casa, apesar de estar aberta desde a meia-noite. Só tem algumas gatas pingadas na porta.

Eis as regras financeiras:

Custa R$ 120 para homens, com direitos a quatro drinques nacionais, sejam quatro águas, quatro Itaipavas (única long-neck da casa), quatro Smirnoff ou quatro Old Eight. O cliente escolhe.
Custa R$ 0 para mulheres.

Custa R$ 120 para homens drogados, bêbados, violentos, folgados e que chegam chegando, e nesses casos, eles não têm direito aos quatro drinques nacionais. Seguranças tentam convencer esses infelizes a ir se divertir em outro bairro.

Custa R$ 120 para mulheres como descrito no parágrafo acima.

Lésbicas que se parecem com homens pagarão R$ 120, “pois querem ser homens”, diz seu João. Com direito aos quatro drinques nacionais, é claro.

Travesti, “eu preciso cobrar porque, aqui no centro, você não sabe como é. Se faço de graça como se fosse mulher...”

“Ei, você é daqui? Quem é de São Paulo é o quê? Paulista ou Paulistano?”. São 2h e há 7 homens e 19 mulheres na pista. O DJ (que não está com o salário atrasado) toca uma música pop limelight que os anos 1990 esqueceu. Guerreiros dançam na pista.

 

João Tiago de Freitas tem uma cama na boate. A única, aliás, já que lá não passa filme erótico, não é permitido strip-tease, nem muito menos tem quarto para cliente fazer sexo. Trata-se de uma casa noturna normal, onde o povo do centro vai depois de trabalhar.

Seu João tem uma cama no segundo andar, em frente a uma TV dividida em 16 telas, onde vê o caixa, a entrada, a pista, o bar etc.

“Tomei a decisão de trabalhar na noite no Carnaval de 1972”, rememora. “Tinha 22 anos. Sou de Minas Gerais, da roça, de Iturama, divisa de Goiás e Mato Grosso [hoje Mato Grosso do Sul]. Lá, não tinha chance, mas eu era atrevido. Fui hippie em Alto Paraíso [oito meses]. Fui policial da Força Pública [dois anos]. Aí virei garçom, maitre, barman. Fui gerente da My Love de 1979 a 1990, e daí fui pra Love Story.”

“Ei, o que você está falando tanto com ele? Não quer falar comigo?”.

São 3h e há 7 homens e 9,5 mulheres na pista (estou perdendo a capacidade de contar, mas é a metade de uma hora atrás). O segurança Edy Moraes conta que hoje fechará cedo: 7h30. “Credo”, respondo eu. “Sexta e sábado vai até 10h da manhã. Hoje é terça, é fraco mesmo. Agora é que vai melhorar.”

Saio da Love Story e Edy parece ter razão. Há mais gente fora do que dentro. Grupos conversando, carrinhos de cachorro-quente, mulheres que entram e saem (não pagam), carros estacionando.

Quanto ao pedido de recuperação judicial, esse passou batido. Não há ninguém chorando pela Love Story. Só curtindo.

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