Centro de luxo em sede da Gestapo reabre feridas em Hamburgo

Ativistas criticam espaço reduzido reservado para memorial às vítimas

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Carolina Vila-Nova
São Paulo

A construção, no centro de Hamburgo, de um complexo luxuoso de lojas, apartamentos e hotéis mexeu numa ferida histórica dessa cidade do norte da Alemanha.

A incorporadora Quantum Imobilium adquiriu da prefeitura o Stadthöfe, um conjunto de quatro pátios históricos e oito edifícios de 100 mil m2 do final do século 19, com planos de fazer uma ultrarrenovação.

De 1933 a 1943, parte do complexo foi a sede local da Gestapo, a polícia secreta nazista, que a usava para prisões e torturas e de onde milhares foram enviados para campos de concentração.

Nos portões, ainda permanece a grade de ferro que convida com "Bienvenue" (bem-vindo) e "Moin Moin" (olá, no dialeto alemão do norte) para muitos, algo tão arrepiante quanto o "Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta") dos campos.

Parentes de vítimas e ativistas reagiram ao projeto. Acham que a área destinada à memória das vítimas é mínima e desrespeitosa: um espaço dentro de um café, dentro de uma livraria.

Desenho do projeto do novo Stadthöfe em Hamburgo, no norte da Alemanha - Bloomimages Arquitetura/Divulgação

"O Stadthöfe foi o local central do terror e da perseguição do Terceiro Reich não só para Hamburgo mas para toda a área que hoje é o Estado de Schleswig-Holstein. Numerosas vítimas foram brutalmente perseguidas aí judeus, ciganos, homossexuais, sociais-democratas, comunistas, oposicionistas, grupos de igreja, os chamados 'antissociais', enfim, todos os que eram diferentes do nacional-socialismo", disse à Folha Wolfgang  Kopitzsch, presidente da Associação de Sociais-Democratas Perseguidos e Presos pelo Nazismo.

"Houve aí interrogatórios, torturas e assassinatos que precisam ser lembrados e que necessitam do espaço e do equipamento correspondente no memorial. Devemos isso às vítimas e à memória!"

"Hamburgo ainda não tem um memorial adequado sobre o terror do Reich e a história de resistência. O atual crescimento da direita e de grupos e partidos extremistas de direita, como a AfD [Alternativa para a Alemanha, que entrou no Parlamento em setembro], também exige um fortalecimento decisivo da cultura da memória em Hamburgo", acrescentou.

Quando o projeto foi aprovado pela prefeitura em 2009, a recomendação era que uma área de 975 m2 fosse destinada a um memorial. Mas nos últimos planos divulgados pela Quantum, havia sobrado 70 m2 para a homenagem.

Nos materiais de divulgação, não constam as palavras "Gestapo", "memória", "vítimas", mas a promessa de "prazer infindável" e "um convite ao flanar".

O investimento inicial do projeto, com inauguração prevista para junho, foi calculado em  220 milhões de euros (R$ 800 milhões).

"Hamburgo vê isso como um grande passo na cultura da memória da cidade. Pela primeira vez a história será lembrada de forma muito aberta neste local", disse à Folha Enno Isermann, porta-voz do Departamento de Cultura e Mídia da prefeitura, responsável pelo conteúdo.

Após pressão popular, a área destinada ao memorial foi aumentada e um debate público, convocado.

"O memorial inteiro terá 330 m2. Cerca de 40 m2 serão um corredor dos suspiros, em que biografias das vítimas serão exibidas, e uma galeria sobre a construção e seu uso histórico", disse Isermann.

"Convidamos as organizações para uma mesa-redonda para que possam expressar suas preocupações e que elas sejam, se for o caso, incorporadas no conceito da exibição e do planejamento de futuros eventos."

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