Bispos convocam jejum contra repressão na Nicarágua

Paramilitares disparam contra carro de religioso, que escapa ileso; ofensiva mata 10

Máscara é colocada em cima de caixão de estudante morto durante cerco a universidade, em Manágua - Cristobal Venegas/Associated Press

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Clóvis Rossi
São Paulo

A Conferência Episcopal da Nicarágua divulgou neste sábado (14) uma nota com duras críticas ao governo e na qual anuncia a convocação de um jejum para sexta-feira (20) de explícito conteúdo político.

Será, dizem os bispos, “um ato de desagravo pelas profanações realizadas estes últimos meses contra Deus" (alusão óbvia à violência que o governo vem empregando contra manifestações em geral pacíficas).

Um dia depois da nota, houve mais um agravo a um dignitário eclesiástico, conforme informa a agência France Presse: o carro que transportava o bispo Abelardo Mata para a cidade de Masaya foi atacado a tiros por paramilitares ligados ao governo.

O assistente do bispo, Roberto Petray, contou que o carro do bispo "foi interceptado por paramilitares, que atiraram em seu carro, quebraram os vidros e tentaram queimá-lo".

O bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, disse no Twitter que conversou com Mata e que, "graças a Deus, ele está bem e fora de perigo".

O bispo não foi o único atacado na região de Masaya neste domingo (15): uma violenta incursão de forças policiais e paramilitares deixou pelo menos 10 mortos e 20 feridos, segundo balanço, ainda preliminar, da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos.

Seis dos mortos são civis, entre eles dois menores, e, quatro, policiais do Batalhão de Choque.

Nesse ambiente de extrema violência contra a população, o jejum programado pela igreja tem todos os elementos para se transformar em uma plataforma para a escalada dos protestos e da repressão a eles.

Ainda mais que a Aliança Cívica pela Justiça e a Democracia - o grande conglomerado da sociedade civil - afirmou, neste domingo, que os protestos de rua continuarão até que o presidente Daniel Ortega aceite antecipar as eleições, que estão previstas apenas para 2021.

Azahálea Solís e Carlos Tünnermann, dois dos líderes da Aliança, disseram ao jornal La Prensa que não descartam a convocação de uma greve geral por tempo indeterminado, como forma de incrementar a pressão sobre Ortega.

A nota do episcopado não economiza em palavras duras sobre a repressão desatada pelo governo, desde que se iniciaram os protestos, no dia 19 de abril.

Diz: “Nos últimos dias, recrudesceu a repressão e a violência por parte dos paramilitares pró-governo contra as pessoas que protestam civicamente. Lamentamos profundamente tanta morte, dor e sofrimento de nosso povo. Feridos, julgados injustamente, ameaçados, intimidados e sofrendo ultrajes os que permaneceram nos locais de protestos pacíficos".

Os bispos denunciam, além disso, “os sequestros e detenções arbitrárias de que está sendo objeto a população civil".

A nota acrescenta uma frase devastadora, ao dizer que “hoje, como nunca, os direitos humanos estão sendo violentados na Nicarágua".

Em um país que sofreu a violência de uma ditadura como a do clã Somoza, dizer que nunca houve tanta violação aos direitos humanos acaba sendo uma condenação definitiva ao regime do partido (a Frente Sandinista de Libertação Nacional), justamente o que depôs Somoza, em 1979.

O que torna a nota dos bispos ainda mais relevante é que uma parte importante da igreja nicaraguense ajudou os sandinistas na luta contra Somoza.

Agora, no entanto, a igreja está à frente do movimento de resistência a Ortega, que é acusado de ter se transformado em um novo Somoza.

À falta de partidos políticos representativos, a igreja aceitou ser a mediadora de um Diálogo Nacional que servisse para pôr fim pacífico ao levante popular.

O governo concordou em sentar-se à mesa junto com a Aliança Cívica, que reúne estudantes, empresários, profissionais liberais e outros integrantes da sociedade civil.

O diálogo emperrou, no entanto, porque a Aliança exige a saída de Ortega do poder, o que ele se nega a fazer.

Consequência inescapável: uma sequência de protestos de rua de grande dimensão e a repressão que a igreja denuncia.

Desde 19 de abril e até 10 de julho, foram 350 os mortos, 329 sequestrados (261 ainda em cativeiro) e 2.100 feridos.

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