Carlos Fernando dos Santos Lima: De onde menos se espera
Como crer que se fez o certo no STF quando só se desejava impedir a Justiça criminal de aplicar o precedente e a prisão do ex-presidente Lula?
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O Barão de Itararé, como jocosamente o jornalista e humorista político Apparício Torelly (1895-1971) se autointitulava, dizia que, “de onde menos se espera, daí que não sai nada”. Apesar de seu cunho anedótico —ou porque nós, brasileiros, escondemos nossa desesperança sob o manto da ironia e do gracejo—, essa frase resume bem o enredo da pantomima que nossa Justiça criminal oferece aos brasileiros.
Esse teatro de absurdos se repetiu no plenário do STF no último dia 22, pois, mesmo com a solenidade do cenário, os monólogos grandiosos de alguns de seus atores não mais fascinavam a plateia, muito mais atenta às consequências nefastas da decisão do que à erudição dos votos. Nem mesmo o seu intérprete mais experiente, o decano Celso de Mello, soava verdadeiro. Talvez acostumado a outra espécie de interpretação, plena sempre de lições morais, o mais antigo membro do tribunal se mostrava desconfortável com a obviedade do papel que se obrigou a assumir.
Como crer que ele nada tinha a ver com toda a encenação? De que se tratava de apenas mais um habeas corpus, quando fora ele próprio que colocou a presidente do Supremo perante o dilema de abrir ela mesma as cortinas do HC do condenado Luiz Inácio Lula da Silva, ou de se ver pela primeira vez na história do STF obrigada a pautar uma medida por uma questão de ordem dos demais ministros?
Como acreditar, em uma opinião sem convicção, que não se podia punir o paciente —nesse caso mais para impaciente, pela demora da Justiça— quando esse HC passou à frente de 5.000 outros? Como fazer crer que fazia o correto, quando evidente que desejava somente impedir que a Justiça criminal se tornasse verdadeiramente republicana com a pura e simples aplicação do precedente e a prisão de Lula?
Mas não apenas o seu discurso soava suspeito, mas o de todos que o acompanhavam, especialmente quando outros atores daquele plenário, mais conscientes do seu papel histórico, deixavam clara a inconsistência da retórica falsamente voltada a todos os pobres condenados deste Brasil. Tratava-se, na realidade, apenas de um pot-pourri —no sentido literal dessa expressão, “panela de carnes podres”— de colocações sem sentido que visavam apenas a resolver o problema prisional do ex-presidente.
Ao final, incapazes de levar a representação ao seu clímax, decidiram estender a ilusão de Justiça em uma novela que mantém todos nós, espectadores, presos na plateia até o seu capítulo derradeiro, não por sua excelência, mas porque não podemos abandonar este grande circo que se tornou o Brasil.
Não faltaram pretensos gestos teatrais, cômicos, não fossem trágicos, como o brandir de um cartão de check-in, como se a presença daquele julgador fosse imprescindível à decisão, para justificar o fim da discussão e a concessão de um salvo-conduto temporário para Lula.
Dessa história, contudo, sabemos o final. A trama não ilude ninguém. Ainda vão decidir o mérito, dizem os espectadores mais esperançosos com o próximo capítulo. Ainda há fé na redenção para alguns personagens, pensam. Mas, de onde menos se espera, nenhuma surpresa acontecerá. Apresentam-nos um drama em que o formalismo e o fausto das vestes não escondem um final previsível e bem ensaiado.
Entretanto, tão desacostumados à crítica verdadeira, têm eles esperança de ouvirem ao final elogios por sua atuação. “O doutor foi magnífico quando impediu que houvesse baderna em nossas ruas”, ou “Como aceitar que criminalizem a política desse jeito”, lhes dirá uma reduzida claque contratada por honorários astronômicos.
Estamos diante apenas de mais uma encenação, como a do clássico “A Revolução dos Bichos” de George Orwell. Se não deixarmos clara nossa indignação, ouviremos como a última fala do porco triunfante: “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”. Não foi esse teatro de justiça que nossa Constituição prometeu. Será que podemos pedir nosso ingresso de volta?