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O projeto de reforma da previdência municipal em São Paulo está correto? NÃO

Desgovernança imprevidente

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Érica Gorga

Em meio a greve e protestos, tramita rapidamente a reforma da previdência dos servidores municipais de São Paulo. A reforma é necessária, considerado o déficit de R$ 4,7 bilhões em 2017, mas deve-se assegurar que o sistema proposto seja seguro e possibilite transparência e fiscalização da gestão dos recursos previdenciários.

Há divergência sobre a alíquota calculada pela prefeitura e pela Consultoria Técnica de Economia e Orçamento da Câmara Municipal da contribuição previdenciária a ser cobrada dos servidores, sendo primordial esclarecer premissas e critérios de cálculo.

Causa espanto que, em tempos de operações Lava Jato e Greenfield, com revelação de inúmeras fraudes na gestão de fundos de previdência no país, o debate sobre a segurança jurídica e prevenção de fraudes ocupe plano secundário.

Elaboramos relatório detalhado apontando problemas de governança no projeto original e propostas concretas de aperfeiçoamento, muitas delas acatadas.

Mas o projeto substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça tem novas artimanhas legais, desnaturando as mudanças que permitiriam maior fiscalização dos recursos previdenciários por meio do fortalecimento dos conselhos fiscais do Iprem (Instituto de Previdência Municipal) e da Sampaprev. A desgovernança agora é ainda pior do que a do projeto original do prefeito João Doria (PSDB).

O projeto adotava "a composição paritária de representantes dos servidores e do município" (artigo 58 original e 75 do substitutivo), seguindo a lógica da lei 108/2001.

O substitutivo inova com o parágrafo 7 no artigo 76, sem equivalente no projeto original, que esvazia a representação paritária dos servidores públicos, determinando quórum especial que exige presença na sessão de 5 membros, com 3 representantes do município para o exercício do "poder decisório".

O conselho deliberativo, erroneamente, deve aprovar o regimento interno do conselho fiscal do Iprem (artigo 77, IV, do substitutivo), permitindo ingerência direta da administração no órgão fiscalizador.
O substitutivo observou o artigo 15 da lei 108/2001, outorgando a presidência do conselho fiscal a conselheiro representante de participantes e assistidos.

Criou, no entanto, novo parágrafo 12 no artigo 80, requerendo a participação obrigatória do representante da administração para o exercício de poder ou prática de quaisquer atos. Em suma, sem sua participação, o conselho fiscal não poderá funcionar.

A cereja do bolo é a inovação do artigo 132 do substitutivo, que diz que "o funcionamento dos Conselhos Deliberativo e Fiscal será disciplinado em regulamento, por ato do prefeito." Somado ao regimento interno, tal norma fabrica pletora normativa, que dá poderes de intervenção para quem nem sequer faz parte do conselho deliberativo ou do fiscal. Isso é o mesmo que esvaziar o poder dos conselhos de administração e fiscal da Petrobras, dando poder de ditar regras ao presidente da República.

Se o objetivo da reforma é enxugar gastos públicos, por que criar numa única canetada mais 231 novos cargos (artigo 87), sem aproveitar os 88 funcionários existentes no Iprem (artigo 115)? Sem contar a possibilidade de transferência de funcionários da prefeitura para alocação no Iprem, mediante pagamento de prêmio adicional (artigo 110 do substitutivo). Não é pessoal em demasia para gerar novas despesas em vez de cortá-las?

Érica Gorga

É doutora em direito pela USP, com pós-doutoramento na Universidade do Texas; foi professora nas universidades do Texas, Cornell e Vanderbilt (EUA) e diretora do Centro de Direito Empresarial da Yale Law School (EUA)

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