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A pancadaria
na Praça da Sé está transmitindo a imagem
de que, mais uma vez, a barbárie venceu em São
Paulo. Um evento criado para que os paulistanos tomassem com
alegria as ruas estaria apenas reforçando nosso justificado
medo. É uma pena que as cenas tenham ocorrido, mesmo
que sejam um fato isolado, provocado por arruaceiros, talvez
estimulados pelas letras agressivas de Mano Brown ou pela
inabilidade policial.
Durante várias horas de caminhada,
só vi prazer e civilidade. Todos os ritmos possíveis,
do rock, rap, pagode, bolero até o samba, além
das mais diversas manifestações de arte. Aplaudiam-se
entusiasticamente Cauby Peixoto e Ângela Maria, na rua
Vieira de Carvalho, os dançarinos de Ivaldo Bertazzo,
a força da Nação Zumbi, a mistura de
música erudita e samba na quadra da Vai-Vai. Tudo isso
muito próximo, unindo tribos tão distantes,
dos gays da terceira idade aos manos.
A pancadaria arranhou um evento jamais
ocorrido em toda a história da cidade, onde nunca tanta
gente se reuniu para tomar as ruas e festejar. Caminhei boa
parte da madrugada pelo centro e fiquei encantado com o prazer
coletivo, a diversidade das tribos, a riqueza cultural. Era
como um grito da resistência contra a nossa barbárie
cotidiana.
Os arruaceiros nos fazem lembrar nossa
incivilidade diária, o pavor das ruas, as manchas de
exclusão que nos sufocam. Mas, para mim, o que essencial
é a capacidade de uma cidade tomar as ruas com alegria,
capaz de derrotar o medo.
Na Virada Cultural, no ano passado,
a cidade teve de enfrentar o medo dos ataques do PCC; agora,
o medo de um bando de delinqüentes que ganhou as manchetes.
Não temos alternativa se quisermos
ser uma comunidade de cidadãos e não um povoado
de refugiados, exceto continuar tentando conquistar as ruas;
se um punhado de marginais causou terror, milhões se
divertiram, fazendo a alegria vencer o medo.
Virada
Cultural termina com saldo de 3,5 mi pessoas; tumulto deixou
feridos
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