REFLEXÃO


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folha de s. paulo
03/07/2009

Cuidado: São Paulo está em seu coração

É preciso ter bom coração para sobreviver na cidade de São Paulo -literalmente.
Divulgado na semana passada, levantamento feito com 35 mil pessoas pela Secretaria da Saúde e Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo estimou que cerca de um terço dos moradores da capital tem risco mais elevado de sofrer um infarto nos próximos cinco anos.

Entre os vários fatores de risco -alimentação, estresse, obesidade, sedentarismo, fumo-, um deles vem do ar. O Laboratório de Poluição da USP aponta crescimento de problemas cardíacos associados à fumaça dos veículos que entopem as ruas; a poluição tiraria um ano de vida dos paulistanos.

Esse é um dos ingredientes por trás da montagem em andamento de um índice de felicidade dos paulistano, que engloba do sono ao desempenho sexual, passando pela convivência com amigos e familiares -são alguns fatores, aliás, relacionados ao coração.

Começaram a chegar, na semana passada, as primeiras respostas dos questionários enviados pelo Movimento Nossa São Paulo para a elaboração dos Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (IRBM). Seu objetivo é revelar o que a cidade entende por qualidade de vida -por isso entram questões sobre família, espiritualidade, consumo, em meio aos temas mais óbvios como mobilidade, saúde, habitação, emprego, renda, cultura ou educação.

Com assessoria do Ibope, o índice será lançado em janeiro e, a partir daí, acompanhado periodicamente. O difícil é transformar todos esses dados em ação.
Uma coisa é pedir mais creches e asfalto ao prefeito ou limpeza dos rios ao governador, outra é saber como se melhora o sono, o tempo disponível para o lazer, famílias e amigos. É como se a cidade fosse encarada como um país.

Quando se fala em poluição, por exemplo, há muitos atores. A prefeitura tem sua cota de responsabilidade: o trânsito, a demora da inspeção veicular, a incapacidade de tirar os carros ilegais das ruas. Mas se pode responsabilizar o governo federal por não ter repassado verbas ao Rodoanel e ao metrô, o governo estadual por não punir os municípios vizinhos que jogam seu esgoto diretamente nos rios da cidade de São Paulo e as escolas por não ensinarem questões ambientais.

Para salvar empregos, a redução de impostos federais e estaduais ajudou a produzir recorde na venda de carros. E, claro, mais ruas entupidas e ar mais sujo. Na semana passada, reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo" mostrou que, apesar de todas as modificações no trânsito, a velocidade média dos automóveis não para de cair. Na hora do pico, caiu para 17 km/h -uma charrete puxada a cavalo se movimenta a 28 km/h; alguém caminhando sem muita pressa atinge 5 km/h.

Pode-se atacar a Petrobras por produzir um óleo diesel altamente poluente, a tal ponto que a empresa foi retirada do Índice de Sustentabilidade da Bovespa -na semana passada, chegaram documentos aos Estados Unidos para que ela fosse retirada desse mesmo índice da Bolsa de Nova York.

Não por acaso, muitos dos grupos que participam do Movimento Nossa São Paulo fazem pressão contra a Petrobras por meio de outras entidades, como a Ethos, cuja missão é a responsabilidade empresarial.

A poluição é apenas um exemplo dos múltiplos focos de cobrança em torno de um mesmo assunto. O índice da felicidade exigiria a cobrança, a partir de cada prioridade, dos mais diferentes níveis de governo. Mais tempo com a família exige ações para que as pessoas morem mais perto do trabalho -ou mais espaços culturais e de lazer. Melhor sono exige da fiscalização do barulho na rua até tratamento psicológico ou médico.

É um aprendizado e tanto para um país em que as pessoas não sabem direito as funções e responsabilidades dos governos federal, estadual e municipal que, na maioria das vezes, atuam sem coordenação. Para completar, sempre esperamos soluções de cima, a começar de Brasília.

Aprende-se a transformar o local indo a sua rua, passando para o bairro até chegar à cidade -o que vimos, na semana passada, nos bastidores de Brasília, envolvendo Lula, PT e Sarney, é mais um estímulo para ficarmos mais na planície do que no planalto.

PS - Um dos sinais de incivilidade de nossas cidades é a falta de vontade dos governantes em atuar com mais rigor contra os veículos particulares. Acaba-se pagando um pedágio camuflado nas horas paradas ou nos estacionamentos, cada vez mais caros.

Por isso, uma das minhas imagens preferidas, neste ano, é a da Times Square fechada para os automóveis. É algo que, até pouco tempo atrás, não seria imaginado nem nos palcos de um daqueles teatros.

Aliás, Nova York está abrindo mais ruas para pedestres, a exemplo do que ocorre em muitas cidades como Paris, Londres, Estocolmo, Roma e Bogotá.
A maioria da população apoia pelo simples motivo de que cresce a consciência de que o índice de felicidade está mais para espaços abertos do que trancado dentro de um carro, por mais confortável que seja.


Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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