REFLEXÃO


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urbanidade
09/09/2009

Lixo folheado a ouro

Rubens Matuck aplica folha de ouro sobre a madeira e desenha, por cima, as árvores que já plantou em São Paulo



O artista plástico Rubens Matuck está conseguindo transformar lixo em ouro -e aqui não se trata de nenhuma figura de linguagem ou misterioso projeto de um alquimista.

Ele percorre as ruas em busca de madeiras jogadas nos entulhos. Depois de tratá-las, aplica em sua superfície folha de ouro. Deixa secar e, enfim, desenha em cima árvores. Não qualquer árvore. Só aquelas que ele plantou na cidade de São Paulo. "Minha paixão, desde menino, é plantar."

Essa paixão acabou germinando uma confraria paulistana que sai pelas ruas, nos finais de semana, plantando -um grupo que envolve zeladores, faxineiros, garçons e cozinheiros.

O prazer de Matuck com a flora é tão grande que, nas suas viagens pelo Brasil, ele vai registrando o que vê em cadernos. Ao todo, já montou uma coleção com mais de 300 desses cadernos, empilhados em seu ateliê-estufa. É um espaço que mistura suas obras e a criação de mudas.

As mudas criadas no ateliê-estufa são espalhadas entre os integrantes da confraria que, sozinhos ou em grupo, procuram espaços para o plantio. "Tem gente que trabalha em bar que ajuda a produzir adubo com pó de café."

Já perdeu a conta de quantas plantou. "Talvez mais do que cinco mil." Com o tempo e estudo, aprendeu quais as espécies melhor se adaptavam na cidade.

A confraria acabou ganhando ramificações. Pessoas de outras partes do Brasil passaram a trocar mudas com Matuck. "No rastro das trocas, vieram novas amizades e novos parceiros. Sinto-me, sem exagero, apenas uma das sementes." Veio, então, a ideia de fazer um projeto mais radicalmente natural.

Matuck percorreu os entulhos atrás das madeiras descartadas para serem usadas em suas obras -e, aí, decidiu aplicar a folha de ouro para ver o que acontecia. Gostou e decidiu fazer uma coleção.

Natural, portanto, que Matuck escolhesse para expor sua obra um espaço em que artistas façam da rua, ao mesmo tempo, inspiração e galeria -preferiu uma galeria tomada por grafiteiros. "Pintar e plantar são, para mim, quase uma mesma coisa."
O que significa que São Paulo não é apenas uma cidade, mas uma espécie de tela viva. Quando anda pelas ruas, sente-se como se estivesse em quadros que sempre mudam.

PS- Coloquei neste link uma seleção das obras de Matuck, expostas no Choque Cultural -aliás, essa galeria é hoje uma das estufas dos artistas, muitos deles grafiteiros, que fazem da rua sua inspiração e paisagem. Baixo Ribeiro, criador da Choque Cultural, é um dos responsáveis pela disseminação, no mundo, da arte de rua brasileira.


Coluna originalmente publicada na Folha Online, editoria Pensata.

   
   
 
 

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