REFLEXÃO


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urbanidade
12/08/2009

Quixote de bicicleta

Chamado pelos filhos de “Professor Pardal”, tantas eram suas engenhocas espalhadas pela casa (a tampa aquecida da privada ou um tobogã dentro da sala, por exemplo), o engenheiro industrial Felício Sadalla sempre foi obcecado com a ideia de que as cidades deveriam criar ciclovias. Falava e dava o exemplo: todos os dias, percorria 13 quilômetros até o trabalho, montado numa bicicleta elétrica desenvolvida em sua garagem, há 35 anos. “Eu provavelmente era a única pessoa no país a andar de bicicleta elétrica.”

Mas ele não achava nada extravagante. “É apenas uma simples questão de bom senso.” Para ele, uma bicicleta pesa 20 quilos e carrega sem problemas um ser humano – um carro pesa uma tonelada. “Nada é tão barato, comparado com as rodovias e metrô, do que abrir uma ciclovia.” Sem contar a óbvia economia de combustível, reduzindo a poluição.

A bordo de sua invenção, Felício sentia-se isolado como uma espécie D. Quixote urbano. Por isso, ficou emocionado com a notícias recebida, no mês passado, no dia de em que completou 81 anos. “Fiquei quase cinco noites sem dormir direito.” Com tanta agitação, o médico recomendou-lhe repouso fora de São Paulo.

Vindo do Mato Grosso, quando tinha 4 anos, Felício fez parte de uma das primeiras turmas da FEI ( Faculdade de Engenharia Industrial) e se especializou na Inglaterra. Poliglota, falava sete línguas, e um dos seus prazeres era vasculhar sebos.
De volta ao Brasil, montou sua empresa e sempre acompanhou as experiências do carro elétrico desenvolvido no Brasil pelo empresário Amaral Gurgel, de quem era amigo pessoal. “O motor não funcionava direito para o carro.” Ajudou a adaptar um motor híbrido, combinando eletricidade e gasolina – também estar em seu currículo ter ajudado o navegante Amir Klink.

Fez a sua bicicleta elétrica, acreditando que as cidades deveriam construir uma alternativa urgente aos automóveis. Mas sentia que ninguém prestava atenção – a modernidade se traduzia nos carros ou no metrô.

Com a idade avançada, a bicicleta ficou encostada. Mas não ficou parada. Uma seguradora (Porto Seguro) já usava bicicleta para oferecer socorro aos seus segurados e soube do modelo desenvolvido por Felício. Decidiu estudar a possibilidade produzir em série, contratando ume escritório de design. Felício dava as dicas sobre o motor, sem qualquer preocupação com patente.

No dia aniversário, ele recebeu a notícia do início da produção brasileira das bicicletas elétricas para circularem em São Paulo, com motor ecológico. Na data de seu aniversário, se comemorava os 40 anos que o homem pisou na lua. Foi um dia tão marcante que Felício que aquela viagem espacial era um bom jeito de festejar sua bicicleta.




PS- Coloquei abaixo a foto de Felício com sua bicicleta.



Felício com sua bicicleta em 1979:


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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