REFLEXÃO


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folha de s.paulo
10/12/2007

Os novos velhos

O maior desafio da velhice é o preconceito daqueles que vêem os idosos como fadados à inutilidade

Raimunda Nonata da Silva Maciel tornou-se notícia, na semana passada, por ser a vestibulanda mais velha a entrar numa faculdade brasileira. Com 81 anos, ela ingressou num curso de serviço social no Pará -aliás, na mesma universidade em que estuda uma de suas netas. Quando lhe perguntaram por que tinha escolhido aquele curso, brincou: "É para cuidar dos velhos".

O caso de Raimunda Nonata, obrigada a deixar a escola quando era adolescente, será cada vez mais rotineiro -assim como parecerá menos estranho uma pessoa como Oscar Niemeyer comemorar cem anos de vida em plena atividade profissional.
Essa é a perspectiva que sugere o estudo do IBGE lançado na semana passada, sobre a expectativa de vida do brasileiro, que ajuda a redefinir os limites da velhice. Será que alguém que, aos 81 anos, entre numa faculdade pode ser chamado de velho?

Segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro já está em 72,3 anos, com um ganho de quatro meses e 26 dias entre 2005 e 2006; no Distrito Federal, essa taxa sobe para 75,1 anos. Em 1960, a expectativa de vida era de 54,6 anos. Com as melhorias nos tratamentos médicos e na prevenção de doenças, a expectativa de vida vai subir por muito tempo.

"Quase todos os prédios que eram construídos antigamente tinham de ter um playground para as crianças. Agora, precisam de áreas para idosos", afirma o professor de geriatria da Faculdade de Medicina da USP Wilson Jacob Filho, para quem as pessoas, no futuro, vão viver até os 120 anos. Isso faria de Raimunda Nonata, sem exagero, uma jovem, ainda com 40 anos pela frente.

Na coluna passada, apresentei um sinal da redefinição dos limites da velhice, baseado em pesquisas do Ministério do Trabalho: o emprego cresce com mais rapidez entre profissionais acima dos 50 anos. Acima dos 65, o crescimento é três vezes maior que entre os de 18 a 24 anos.

Tais estatísticas estão embaralhando o debate baseado na quase unanimidade de que o velho é essencialmente um problema. É apenas uma questão de tempo pensar nele também como uma solução.

O envelhecimento da população é apresentado como um problema porque, entre outras coisas, aumenta os gastos com saúde e previdência, além de tomar o emprego dos mais jovens. Mas a pergunta é a seguinte: quantos indivíduos como Niemeyer, com a sua experiência, a sociedade vai ter por mais tempo?

Naturalmente, as mudanças demográficas trazem novos desafios, entre os quais o da bomba previdenciária. Os desafios, entretanto, não se limitam apenas aos mais velhos. Está em movimento também o limite da adolescência, que vem se estendendo até os 30 anos. Basta ver o número de pessoas que, nessa idade, ainda vivem com os pais. Isso faz com que, aos poucos, tenda a diminuir o número de mães tão jovens, como revelou o IBGE, na quinta-feira: um quinto dos partos é feito em mulheres com até 20 anos. O que antes era algo comum agora é visto como uma anomalia social a ser enfrentada urgentemente, afinal uma mãe precoce terá dificuldades crescentes de entrar no mercado de trabalho.

O maior desafio da velhice não são os gastos com saúde ou previdência. É o preconceito daqueles que vêem os idosos como incapazes de se reciclar e, portanto, fadados à inutilidade. Mas, com novos tratamentos médicos e recursos tecnológicos, o conceito de autonomia também está mudando. Confina-se o idoso à situação de que ele é inútil por não ser produtivo, logo seu papel é esperar a morte. E, com isso, perde-se o mais importante elemento da manutenção da juventude: a curiosidade.

Jovem, afinal, é quem se mantém curioso -e velho é aquele que acha que não tem mais nada para aprender. Por isso, chamar Raimunda Nonata de inútil é uma óbvia asneira. Ela é um entre tantos ícones dos novos velhos.

PS - O preconceito contra o idoso é nutrido especialmente nas escolas, onde, em essência, se ensina que a utilidade do conhecimento está ligada a ter uma profissão. Somos alguém porque, em poucas palavras, temos trabalho e somos úteis, o que é uma óbvia redução da condição humana. Basta ver o debate em torno de mais uma bateria de indicadores educacionais internacionais (Pisa), divulgados na semana passada, na qual nos saímos muito mal. A queixa básica é que não seremos um país competitivo com trabalhadores com baixa escolaridade. Isso, a rigor, não está errado. Mas também é um problema tão grande quanto o profissional não tirar proveito da diversidade humana, não desfrutar a chance de ser protagonista na vida ou até mesmo de apreciar obras de gente como Mozart, Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Monet ou Portinari. Como diria o sábio Rubem Alves, com seus 70 anos, uma vassoura é extremamente útil, mas isso não a faz mais importante do que a nona sinfonia de Beethoven, que, a rigor, não tem nenhuma utilidade.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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