2 - DA GESTÃO DO BANCO MARKA S/A

O Banco Marka S/A, sediado no Rio de Janeiro, diretamente administrado pelo seu controlador, o denunciado Salvatore Alberto Cacciola, com o eficaz concurso da Diretora do Departamento Jurídico, a denunciada Cinthia Costa e Souza, estava operando na BM&F em posições vendidas, com vencimento em fevereiro de 1999 desde o mês de dezembro de 1998, sendo que, ainda em dezembro/98, adquiriu mais 1.900 contratos, totalizando 9.000 contratos no valor de US$ 100.000,00 (cem mil dólares) cada um, vencíveis no mês de fevereiro/99 (01/02/99), ao preço médio de R$ 1,22/US$ 1.

Em 13/01/1999, por volta das 8h30, através de Comunicado divulgado no
Sisbacen, o denunciado Francisco Lafaiete de Pádua Lopes, instituiu o que, tecnicamente, denominou de ‘banda diagonal endógena‘, tratando-se do regime de alargamento das bandas cambiais, já referido.

Nesse dia, segundo seu próprio relato, o denunciado Salvatore Cacciola, que operava em posições vendidas aproximadmente vinte vezes superiores ao patrimônio líquiodo do Banco Marka, em franca demonstração de uma
administração irresponsável e temerária daquela instituição financeira,
acordou ‘quebrado‘, fato ocasionado pela diferença entre o valor das suas posições vendidas, assumidas no mercado futuro de dólar da BM&F a R$1,22/US$ 1 e aos novos limites da banda cambial, sendo que nessa mesma data o dólar estava sendo cotado no mercado à vista pelo valor de R$ 1,32 (teto da nova banda).

A situação de exposição cambial, ou seja, de ‘alavancagem‘, era tão grave, que, a cada centavo de dólar que se acrescia ao limite contratado de R$ 1,22/US$ 1, correspondia uma perda para o Banco Marka de R$ 11.300.000,00 (onze milhões e trezentos mil reais), conf. consta do Laudo Contábil de fls. 76 _ Apenso 22. Assim, nos termos descritos na inicial da citada ação de improbidade, ‘o Banco Marka S/A perdia para cada centavo de desvalorização da moeda nacional o equivalente a um prêmio acumulado da Mega Sena.‘ (fls. 2.499/2.548).

Ciente dos fatos, e agindo de forma ardilosa, vez que detinha pleno
conhecimento da situação da instituição financeira que administrava, a qual, em virtude da exposição alavancada na BM&F, não teria suporte econômico suficiente para saldar os compromissos até então assumidos na Bolsa, ou seja, 9.000 contratos ao preço unitário de US$ 100.000,00, o denunciado Salvatore Alberto Cacciola assumiu, no próprio dia 13/01, a posição do Fundo Stock Maxima na BM&F, que detinha 2.300 contratos em posição vendida, ao preço de R$ 1,23764/US$ 1, vencíveis também em fevereiro/99.

Segundo análises técnicas dos fiscais do Bacen e de peritos do Instituto Nacional de Criminalística, nessa mesma data, conforme salientado, o denunciado Salvatore Cacciola efetuou uma operação na BM&F em que o Fundo Stock Maxima reverteu sua posição vendida em dólar. A contraparte desta operação foi a instituição financeira Banco Marka, que a efetuou graciosamente à taxa de R$ 1,23764, quando o dólar, no mercado à vista, estava sendo cotado no valor de R$ 1,32/US$ 1.

A operação acima revestiu-se de enorme generosidade por parte do Banco
Marka, digna do jargão ‘de pai para filho‘, vez que no dia 13/01 não existia mercado para os contratos de dólar em face do limite de oscilação de R$ 1,237646 para operações com dólar futuro, imposto pela própria BM&F, sendo que, nessa ocasião, o preço do dólar futuro seguia a tendência de elevação do valor do dólar à vista, cuja cotação, nos termos antes mencionados, já era de R¹ 1,32.

O Fundo Stock Maxima FRF-CE trata-se de um fundo de capital estrangeiro, constituído para operar no mercado de derivativos de forma agressiva, ou seja, com posições que poderiam superar três vezes o seu patrimônio líquido e, como todo fundo de investimento, era constituído sob a forma de condomínio aberto e solidário, sendo responsabilidade do seu administrador e dos próprios cotistas, quando insolvente o fundo, saldar imediatamente as posições desfavoráveis, inclusive mediante aporte adicional de recursos (fls. 21/26 do Apenso 13 - PT 9900946175 e Laudo Pericial nº 43.667).

Ocorre que, a pedra de toque que ensejou a atuação fraudulenta do administrador do Banco Marka _já insolvente_ a acumular mais resultados negativos a partir da operação direta de aquisição de 2.300 contratos do Fundo Stock Maxima, atribui-se ao fato de que tal fundo, em última análise, administrava recursos do próprio Banco Marka, ou seja, do próprio Salvatore Alberto Cacciola, que repatriou o resultado dessa operação ilícita para o exterior, salvando o seu patrimônio e colocando o Banco Marka em situação suicida de plena e absoluta insolvência, a ponto de ser liquidado extrajudicialmente, não fosse a malfadada “operação de socorro”.

Com efeito, o Fundo Stok Maxima, em janeiro de 1999, tinha como cotista único o “The Inovation Fund Ltd”, administrado pelo Banco Marka S/A, tratando-se tal fundo de uma IBC - International Business Company, sediada nas Bahamas, mas que não operava em tal paraíso fiscal. Ressalte-se que os recursos aplicados no “The Innovation Fund Ltd” eram originários do Marka Bank Ltd. e pertenciam à empresa Água Clara Comércio e Consultoria Ltd.

Nos termos consignados no laudo pericial de fls. , “A empresa ‘Água Clara Comércio e Consultoria (Sociedade Unipessoal) Ltd.’ era administrada indiretamente pelo Banco Marka S/A, através de participação sucessiva nas empresas Sacre Com. Ext. Ltda. e Farmi Part. Cons. e Fact. Desta forma pode-se concluir que o beneficiário indireto foi o próprio banco Marka S/A, ou seja, seus acionistas, pois o mesmo conseguiu em uma operação posterior transferir esta posição ao Banco Central do Brasil.” (grifamos).

Também esclarecem os srs. peritos que: “Os recursos sacados pelo ‘The Innovation Fund Ltd.’ foram transferidos para o exterior e creditados na conta 101WA115754000, junto ao Swiss Bank New York, nas mesmas datas em que foram disponibilizados, ou seja, 14 e 18.01.1999. O total em moeda norte-americana perfez US$ 13.119.809,44 (treze milhões, cento e dezenove mil, oitocentos e nove dólares norte-americanos e quarenta e quatro centavos)”.

Quanto às operações entre o Banco Marka e demais empresas do grupo, sediadas em paraísos fiscais, notadamente o Marka Banck, verificaram os srs. auditores do Bacen que Salvatore Alberto Cacciola, na qualidade de controlador, tanto do Banco Marka, quanto do Marka Bank, sediado em Nassau/Bahamas, se opôs injustificadamente à apresentação da documentação requisitada pela fiscalização para a verificação da regularidade da remessa de numerários ao exterior. A título de ilustração, vide o organograma do “Grupo Marka” no Relatório da Autoridade Policial, onde Salvatore Cacciola figura como controlador final de todo o grupo.

Nesse aspecto, ressaltaram os srs. auditores: “É importante citar que o Banco Marka se negou a entregar o extrato de sua conta corrente junto ao Swiss Bank (Account Number 101WQ116696000), descrito em sua resposta (fls. 28 a 29), conforme solicitação enviada por este Banco Central (fl. 27). A recusa ocorreu em virtude de alegação que tal documento estaria sujeito ao sigilo bancário de Nassau, de acordo com o ‘The Commonwealth of the Bahamas’. Já reiteramos o pedido (fl. 38 - item 2), o qual estamos aguardando, sendo importante colocar que a srª Cinthia Costa e Souza apresentou várias dificuldades para a entrega desse documento, com a alegação principal que o Marka Bank não se localiza na estrutura do Banco Marka e que refere-se a uma empresa sujeita às normas de Bahamas.” (Apenso 13, fls. 08/31 - PT 9900946175).

Objetivando justificar a operação direta com o Fundo Stock Maxima, que acumulou, num primeiro momento, vultoso prejuízo ao Banco Marka S/A e, posteriormente, ao próprio Tesouro Nacional, o administrador dessa instituição alegou que a remessa imediata dos valores dos contratos liquidados ao exterior destinou-se a saldar operações realizadas na Bolsa de Chicago, sendo constatado que a necessidade líquida de aporte de capital na Bolsa de Chicago era de apenas US$ 181 mil e não dos US$ 13 milhões remetidos ao exterior, concluindo os srs. auditores do Bacen que “os recursos enviados para o exterior não deviam ser para honrar Chicago, mas sim para outros passivos não definidos pelos administradores.” (fls. 24 e 29/31 do PT supra referido).

Toda a extensão da fraude envolvendo a operação acima se encontra devidamente descrita no mencionado Laudo de Exame Contábil nº 43.667, elaborado por peritos do INC (Apenso 22), nos processos apuratório do Bacen, notadamente o PT nº 99000946175 (fls. 08/31 do Apenso 13), ressaltando-se o teor dos itens “1” a “5” do mesmo e nos termos de declarações dos fiscais do Bacen, subscritores dos respectivos relatórios de apuração (fls. 1655, 1663, 1699 e 1996).

A forma fraudulenta de administração da instituição financeira também restou evidenciada por ocasião da atípica “auto-liquidação” do Banco Marka, sendo registrado pelos srs. auditores que, já em 1995, Salvatore Alberto Cacciola valia-se de procedimentos escusos na gestão dessa instituição financeira.

Assim, nos termos descritos no item VI.1 do Relatório intitulado “Valores a receber oriundos da venda de terreno” (fls. 22/24 do Apenso 13 - PT 9900945265), por meio de uma operação nebulosa, datada de 31/03/95, Salvatore Cacciola aumentou artificiosamente o Ativo do Banco Marka S/A, vez que superavaliou um terreno transacionado com a empresa uruguaia Financiera Kalecor S/A, que teria adquirido tal imóvel.

Em continuidade à série de acontecimentos relacionados à má administração do Banco Marka e dos fundos por este administrados, os srs. auditores do Bacen também verificaram que, com a concorrência do controlador e administrador Salvatore Cacciola, ciente que estava da situação de absoluta insolvência, tanto do banco, como da maioria de seus fundos de investimentos, mas com o firme propósito de salvar o patrimônio particular à custa da instituição financeira, nos dias 13 e 14 de janeiro os diretores do Banco Marka e pessoas físicas e jurídicas ligadas à instituição, efetuaram saques, resgatando dos fundos valores aplicados e que, à semelhança dos demais investidores que não detinham tais informações privilegiadas, seriam utilizados para cobrir os prejuízos advindos da exposição cambial em que se encontravam.

Conforme consignado no Relatório de Fiscalização juntado ao Apenso 09, fls 09/25 - PT 9900935520: “Se considerarmos os dois dias em conjunto, do montante resgatado nos fundos, R¹ 59 milhões, os sócios/pessoas impedidas resgataram R¹ 14 milhões, correspondendo a 24% do volume total sacado. Vale ressaltar também que em relação ao PL consolidado dos seis fundos ora em análise, no dia 13 dos resgates dos sócios/impedidos corresponderam a 4,1% e no dia seguinte tais resgates atingira 0,5%.”

Ainda no que se refere à gestão fraudulenta do banco, necessário relatar que apurações levadas a efeito tanto pelos auditores do Bacen, quanto pelos técnicos do INC subscritores do respectivo Laudo Pericial Contábil, constataram mais uma manobra artificiosa de Salvatore Cacciola por ocasião do atípico processo de “auto-liquidação”.

Com a finalidade de reduzir os lucros registrados no exercício findo de 1998 e, consequentemente pagar menos Imposto de Renda, o denunciado Salvatore Cacciola, auxiliado pelos denunciados Cinthia Costa e Souza e Eliel Martins da Silva, tentou substituir o balanço de dezembro/98, de forma a reconhecer retroativamente as perdas decorrentes de sua desastrada atuação no mercado futuro de câmbio junto à BM&F, ocorridas a partir de 13/01/99 (fls. 90/93 - Apenso 11 - PT nº 9900943671).

Não contavam estes denunciados, não obstante suas manobras fraudulentas, com a postura correta dos Servidores do Bacen responsáveis pelo acompanhamento do plano de (auto)liquidação do banco, que rechaçaram tal pretensão, já materializada com a alteração dos números do balanço referente ao exercício de 1998.

Cumpre ainda observar, nos termos descritos às fls 92 do Relatório acima citado, que Salvatore Cacciola aumentou artificiosamente o patrimônio do Banco Marka em aproximadamente R¹ 10 milhões, sendo confessado pelos administradores dessa instituição aos técnicos do Bacen, que tal artifício foi utilizado “com o objetivo de permitir maior alavancagem das operações” (itens 13 a 19 do Relatório Bacen, datado de 19/09/99).



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