3. Esta é uma democracia colonial, a serviço dos ricos e do FMI
Os políticos, tanto dos partidos burgueses como do PT, vivem elogiando a
democracia burguesa. Segundo a direção do PT, a democracia, definida assim
como democracia em geral, é a estratégia do partido.
É preciso caracterizar esta "democracia". No Brasil existe uma democracia
burguesa, atada por fortes laços aos acordos com as grandes empresas
estrangeiras e ao FMI. Uma democracia para os ricos e cor-ruptos e uma
verdadeira ditadura para os trabalhadores e os pobres em geral.
Em 1984, depois de anos de luta, o povo brasileiro foi às ruas e acabou com
20 anos de regime militar. Foi sem dúvida uma grande vitória. Mas os limites
da democracia burguesa são hoje evidentes para o povo, depois de 18 anos de
miséria imposta por governantes eleitos.
Para os trabalhadores da cidade e do campo, a "democracia dos ricos" é uma
ditadura. O país sofre sob um regime político cada vez mais autoritário e
contra o povo. Esse governo se baseia em um Congresso Nacional
antidemocrático e corrupto que tem por norma a com-pra de votos.
É uma "democracia" em que o voto de cada deputado tem seu preço, em que o
dinheiro do povo é usado para aprovar medidas contra o povo. Cada voto de um
deputado foi comprado a peso de ouro nas votações da reeleição de FHC e na
reforma da Previdência.
Os deputados acusados de corrupção raramente são cassados. Ao mesmo tempo em
que apóiam o projeto do governo de manter um salário mínimo miserável, cada
deputado tem um salário de 8 mil reais, 20 vezes o salário de mais de 50% da
população brasileira.
A Justiça pune os trabalhadores e os pobres em geral, e garante a impunidade
para toda a burguesia. Os exemplos são bem conhecidos, entretanto, não
deixam de ser chocantes. Um Sérgio Naya pode deixar cair um edifício e matar
oito pessoas com a utilização criminosa de materiais de construção de baixa
qualidade; pode deixar dezenas de famílias sem moradia e sem indenizações, e
não é punido e nem se toca em nenhum dos seus milhares (isso mesmo milhares)
de imóveis.
Para grileiros e empresas multinacionais que expulsam posseiros e índios da
terra em que viveram e trabalharam durante anos, não há punição alguma.
Centenas de fazendeiros que seqüestram, aprisionam e forçam famílias de
trabalhadores rurais a trabalhar como escravos, continuam a atuar
livremente.
Mas, para os movimentos sociais, sindicais e democráticos, a repressão
policial-militar continua agindo intensamente.
Se você é sem-teto e invade um terreno para tentar conseguir construir um
barraco para você e sua família, cuidado! Existe pena de morte encoberta
para quem resiste à desocupação, como os fuzilados pela Polícia Militar de
São Paulo.
Se você é sem-terra e ocupa uma fazenda ou faz uma demonstração pacífica
numa estrada, pode terminar massacrado como os 19 homens, mu-lheres e
crianças de Eldorado de Carajás, no Pará, fuzilados pela Polícia Militar.
Mas, também existe um outro tipo de repressão, a qual não é tão evidente
porque não se dá nas ruas, e sim nos locais de trabalho, implemen-tada pela
maioria absoluta das empresas do país. Se você é trabalhador e faz greve
contra o aumento do limite de idade para sua aposentadoria, pode ser
demitido sem discussão ou apelação. Se você quer ser membro ativo do seu
sindicato, nem se fala. Nas fábricas e empresas em geral não existe sequer o
direito constitucional de liberdade de expressão e organização. Continua
vigorando o regi-me do medo e do silêncio da época da ditadura militar.
A direção do PT entende o Estado existente no Brasil como uma espécie de
entidade neutra, com o conteúdo definido pelo governo de turno. Segundo
eles, se hoje o governo FHC determina que este Estado esteja a serviço do
grande capital financeiro, bastaria uma mudança de governo para alterar
radicalmente o caráter do Estado. No caso, seria suficiente uma vitória
eleitoral de Lula para que este Estado passasse a servir aos trabalhadores.
A estratégia do PT seria então sintetizada na vitória da candidatura Lula e
em uma proposta de reforma - a democratização do Estado. O orçamento
participativo seria a "comprovação" desta estratégia de democratização do
Estado. Para a direção do PT, a democracia burguesa tem um "valor
universal", que deve ser defendido e melhorado.
Deixa-se assim de lado a definição do caráter de classe do Estado existente
no Brasil, um Estado burguês na concepção marxista, e a necessidade da
revolução. O Estado existente se concretiza em um determinado tipo de regime
(a articulação de suas diversas instituições, como o Governo, o Parlamento,
a Justiça, as Forças Armadas).
A democracia burguesa não tem nada de universal. É um tipo de regime, que
serve à dominação de uma classe. O Estado como existe hoje no Brasil, com
sua democracia burguesa, é uma ditadura de uma classe sobre as outras. As
democracias burguesas, assim como qualquer Estado, sobrevivem por estarem
apoiadas em um poder militar, a coerção. Nas ditaduras, um outro tipo de
regime burguês, as Forças Armadas assumem diretamente o poder político. Nas
democracias burguesas, elas têm uma importância crucial, sendo necessárias
nos momentos de crise. Mas, mesmo quando não estão em ação, servem para
garantir o poder político da burguesia, para que ninguém se atreva a
contestar suas decisões.
A dominação da burguesia não se dá somente pelo componente militar, mas
também por um controle político-ideológico (consentimento) das massas. No
caso da democracia burguesa, isto se faz por uma complexa rede que inclui
desde as instituições do Estado (Governo, parlamentos), os partidos
políticos, as igrejas, as escolas. Os meios de comunicação, com especial
destaque para a televisão e os jornais, são componentes essenciais desta
rede.
O desgaste de um governo pode ser resolvido no interior da democracia
burguesa pela sua substituição pelo voto em novas eleições, o que dá a
ilusão da "autodeterminação". Assim se pode canalizar por dentro do regime,
as insatisfações dos trabalhadores com o governo de turno.
"Novos" governos são eleitos, com grande apoio da mídia, com eleições
controladas e manipuladas, para gerar novas ilusões que serão mais uma vez
frustradas. É verdade que os presidentes são eleitos, assim como prefeitos,
governadores, deputados, etc. No entanto, não é a "vontade do povo" que é a
registrada a cada eleição. Os processos eleitorais são controlados e
manipulados pelas grandes empresas que controlam os meios de comunicação e
os partidos da burguesia.
Os acordos com o FMI e com as grandes empresas estrangeiras são mais
importantes que as decisões dos governos ou dos parlamentos. O que se vê em
toda América Latina são governos que aplicam rigidamente as receitas do FMI.
Muitos destes governos foram eleitos em base a uma crítica aos planos
neoliberais e, uma vez no poder, implementaram mais uma vez os mesmos planos
neoliberais. Não é o voto do povo contra estes planos o que decide, mas os
compromissos com o FMI. Isto dá a essas democracias uma outra
característica: além de ser para os ricos, são cada vez mais democracias
coloniais, regimes a serviço do imperialismo, que estão regredindo a um
status colonial.
As grandes empresas controlam diretamente os partidos burgueses (como o
PSDB, PMDB, PFL) e através das "doações eleitorais" influenciam os outros
partidos, inclusive o PT. Os grandes bancos e construtoras foram e são
grandes doadoras dos partidos, e depois cobram seus favores. As grandes
empresas do lixo de São Paulo (acusadas de corrupção e não cumprimento de
contratos na gestão de Pitta) doaram grandes somas de dinheiro para a
campanha de Marta Suplicy e mantiveram seus contratos com a Prefeitura.
Além do controle dos partidos, as grandes empresas controlam a mídia, como
os jornais, rádios e principalmente as redes de televisão. A Rede Globo já
decidiu muitas eleições. Fernando Collor, por exemplo, foi uma armação da
Globo, para se contrapor a Lula, o que incluiu a manipulação das notícias
sobre o seqüestro de Abílio Diniz nas eleições de 1998.
Os partidos burgueses compram também diretamente o voto dos setores mais
pauperiza-dos e despolitizados, um setor, aliás, nada desprezível em
quantidade.
Quando surge um candidato ou um partido que tem uma origem operária, e,
inicialmente, escapa ao controle das classes dominantes, existe uma série de
pressões para absorver este partido no regime. Foi isso que ocorreu no
Brasil com o PT. Atualmente, este partido sobrevive, em grande parte, das
contribuições que vêm do Estado burguês, através dos salários dos deputados,
prefeitos, governadores, etc. Estes setores vivem e dependem do regime
democrático burguês e são fortemente pressionados a "evitar o radicalismo",
para manter as suas chances eleitorais e a deixar de lado a sua base social.
O giro do PT à direita tem a ver com sua integração ao regime democrático
burguês.
O resultado é que os candidatos vitoriosos são sempre representantes da
burguesia, distorcendo completamente a vontade das massas. Isso mostra que a
democracia burguesa não tem nada de democrática para as massas.
Fernando De la Rúa foi eleito com um discurso contra os planos neoliberais
de Menen. Apoiado pelos sindicatos, pelas direções do movimento de massas,
este governo aplicou um plano econômico oposto à vontade das massas,
idêntico ao de Menen. Houve uma insurreição que depôs De la Rúa, mas o
regime se recompôs, e foi indicado, pelo Parlamento, outro presidente,
Eduardo Duhalde, que mais uma vez está tentando implementar o mesmo plano
econômico.
Nas próximas eleições no Brasil, José Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho
vão implemen-tar o mesmo plano econômico neoliberal. E se Lula for eleito?
Vai também aplicar um plano semelhante, neoliberal, com algumas compensações
sociais para mascarar a aceitação das receitas do FMI.
Hoje, as massas brasileiras estão em sua maioria contra estes planos, podem
votar e eleger um candidato de oposição. Mas, mesmo assim, esse candidato
vai aplicar um programa de continuidade do plano atual. Trata-se na verdade
de uma fraude, uma negação completa do mínimo princípio democrático, mas
algo muito comum na democracia burguesa.
Nós participamos das eleições, queremos o voto dos trabalhadores e da
juventude. Queremos ocupar também um espaço dentro da institucionalidade,
com deputados eleitos. Mas não temos nenhuma ilusão de que elas possam mudar
a vida dos trabalhadores. E isso não é porque não temos possibilidades de
ganhar as eleições, mas porque utilizamos as eleições para uma outra
estratégia: a de mobilizar as massas e desenvolver um poder alternativo, dos
trabalhadores.
Utilizamos as eleições para divulgar este programa contra o imperialismo que
estamos discutindo. Nossos candidatos, caso eleitos, irão receber o mesmo
salário que recebem hoje, destinando o salário que recebem do Estado burguês
para a luta das massas, através de nosso partido. Isto é uma medida
necessária, para evitar que se burocratizem e distanciem do movimento de
massas.
Para o PSTU, a participação nas eleições é uma tática, a serviço do que para
nós é o central: a mobilização direta dos trabalhadores, como as greves dos
trabalhadores urbanos e as ocupações de terras pelo MST. Só a ação direta
das massas pode mudar a nossa vida e, no horizonte, só a revolução
socialista poderá mudar o país. Nossas candidaturas estão a serviço desta
estratégia.
A teoria da "democratização do Estado" é somente a ideologia justificativa
da integração do PT ao Estado e à democracia burguesa. Na realidade, as
experiências das prefeituras e governos do Estado demonstram que não foi o
Estado burguês que mudou com a integração do PT, mas sim o PT que mudou ao
se integrar à democracia burguesa. Estes governos não são nenhum ponto de
apoio para a mobilização das massas (e muitas vezes as reprimem, como se deu
recentemente no Rio Grande do Sul contra os sem terras), e em muitos lugares
aplicam planos neoliberais (com privatizações, terceirizações, ataque ao
funcionalismo público, etc).
O Orçamento Participativo, a grande "demonstração" da teoria da
democratização do Estado, tem a sua experiência mais desenvolvida na
prefeitura do PT de Porto Alegre. Mesmo ali, nunca determinou mais do que
10% do orçamento da Prefeitura, ficando os outros 90% sendo administrados
pelas instituições tradicionais (em outras prefeituras do PT, o orçamento
participativo é bem menor que isso, em torno de 3% ou ainda menos). As
outras instituições do Estado seguem funcionando normalmente e o próprio
Orçamento Participativo, depois de elaborado, é submetido à Câmara dos
Vereadores.
Na verdade, o Orçamento Participativo, só possibilita a participação das
entidades do movimento popular nas decisões menores (onde e como asfaltar e
iluminar ruas, instalar postos de assistências, etc.), deixando as maiores
para as instituições tradicionais da democracia burguesa. Longe de modificar
o caráter do Estado, termina por gerar o oposto, legitimando este Estado e
institucionalizando o movimento popular (que perde sua independência perante
o Estado).
Não confundimos a defesa das liberdades democráticas com o regime
democrático burguês. As liberdades foram todas elas conquistas do movimento
de massas e nós as defendemos, muitas vezes contra o regime "democrático". O
regime é a forma de dominação da burguesia. Nós só defendemos o regime
democrático no caso concreto de uma tentativa de golpe militar, que não
existe hoje.
Da mesma forma não confundimos as lutas pelos direitos sociais dos
trabalhadores com a defesa da "cidadania", a ideologia que iguala operários
e burgueses.
Enquanto não existir uma alternativa própria das massas, não é possível
destruir o Estado e a democracia burguesa. E esta alternativa só pode ser a
construção de um poder alternativo, que esteja apoiado nas mobilizações e
organizações dos próprios trabalhadores, em grandes ascensos
revolucionários, em que a autodeterminação das massas passe por sua ação
direta, que possibilite a luta pelo poder.
Assim, nos grandes ascensos revolucionários (que ainda não existe hoje no
Brasil) existe a tendência a um duplo poder, um poder das massas que
coexiste temporariamente com o poder burguês por um curto período, que
termina pela derrota de um ou de outro. Foi assim com os soviets da
Revolução Russa, vitoriosos em 1917, mas foi assim também com os cordões
industriais no Chile em 1973, com a COB na Bolívia, em 1985, e com o
Solidariedade, na Polônia, em 1980, derrotados por golpes
contra-revolucionários.
O surgimento do Parlamento dos Povos, em janeiro deste ano no Equador, e a
Coordenadora das Águas, em abril de 2000, em Cochabamba, na Bolívia,
ressaltam a importância que podem ter estes organismos no próximo período.
Na Argentina, as assembléias populares são os embriões de duplo poder neste
momento.
Existe assim uma estratégia alternativa à "democratização do Estado": a
construção de um poder alternativo dos trabalhadores, como preparação para a
luta pelo poder e a destruição do Estado burguês. A luta contra o Estado e a
democracia burguesa ainda está em uma fase inicial, que inclui o estímulo e
a priorização das ações diretas das massas e o desmascaramento das
instituições do regime.
Esta tarefa, o desmascaramento das instituições do regime, deve ser feita
com a combinação de uma denúncia sistemática (tanto do Governo, como do
Parlamento, da Justiça e FFAA) e a defesa de uma série de reivindicações
democráticas radicais. Estas palavras de ordem democráticas ajudam a
demonstrar como o regime democrático burguês tem uma essência
antidemocrática, autoritária.
Neste sentido defendemos neste momento:
- a redução dos salários dos parlamentares à média dos operários;
- a revogabilidade dos mandatos dos parlamentares;
- o fim da obrigatoriedade do voto;
- representação proporcional no Congresso, terminando com a situação atual em que o voto de um eleitor do Acre vale 19 votos de um eleitor de São Paulo;
- a abolição do Senado;
- a eleição direta dos dirigentes das empresas estatais por seus funcionários;
- a democratização das Forças Armadas, com eleição de oficiais, direito de sindicalização, etc;
- eleição dos delegados e juízes.