Folha de S.Paulo Moda
* número 18 * ano 5 * sexta-feira, 11 de agosto de 2006
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moda / entrevista

O poeta da designocracia



Para o designer Karim Rashid, é preciso embelezar todos os cantos do mundo

“Sou um quarto irlandês, um quarto inglês, um quarto argelino e um quarto egípcio.” Assim Karim Rashid descreve o design de seu próprio DNA. “Tive uma criação turbulenta que se deu no Cairo, em Paris, Roma e Londres. Do Oriente Médio vem meu lado mais apaixonado e artístico. Da influência européia, o lado romântico e poético. Como designer americano, minha contribuição cultural é o design democrático, a mobilidade e a facilidade”.

Karim é um dos principais designers da atualidade. Nascido no Egito, há 45 anos, foi educado no Canadá, onde se formou em design industrial. Estudou também na Itália e atualmente vive em Nova York, cidade que escolheu para sediar a sua empresa. Seus trabalhos estão espalhados por todos os cantos do mundo, em todas as áreas. Atualmente, realiza 60 projetos em 28 países, entre eles um hotel em Brighton (Inglaterra), uma estação de metrô em Nápoles (Itália) e um filme de ficção-científica de animação.

Há poucos meses, lançou a Karim Rashid Brasil, com as arquitetas Camila Tariki e Carolina Sucar. “O Brasil é um país com grande potencial para o design contemporâneo, mas precisa de mais visibilidade global”, diz ele, que assina o novo projeto gráfico da revista Moda, da Folha. “Karim ama as cores, a arquitetura, a alegria, a sensualidade e a sensibilidade estética do Brasil. Ele quis trazer um pouco desta sensibilidade para o design gráfico da revista”, conta Camila, que também atuou no projeto de Moda e é responsável pelas áreas de arquitetura e projetos especiais da Karim Rashid Inc., em Nova York.

A seguir, Karim fala de seu trabalho e do seu sonho de uma “designocracia”. “O design está em toda parte, mas, infelizmente, 90% dele é medonho. Precisamos embelezar este planeta sob todos os aspectos, em todos os cantos do mundo”, diz ele.

Estamos muito longe da época da Bauhaus. Qual é a função do design na atualidade?

Acredito que o objetivo do design é moldar um mundo contemporâneo. Design não é estilo. Estilo é um termo que enquadra movimentos ou tendências passados em períodos que podemos compreender, aprender e usar como referências. Mas fazer design, pelo menos num primeiro momento, é lidar com necessidades do momento, encontrar soluções e trabalhar dentro dos critérios e das limitações daquele tema e das questões que estão em jogo. Hoje, o bom design se baseia numa pletora de critérios complexos –experiências humanas, problemas sociais e globais, questões econômicas e políticas, interação física e mental, forma, e uma compreensão e um desejo rigorosos de cultura contemporânea. A manufatura é baseada em outro grupo coletivo de critérios: investimento em capital, participação no mercado, facilidade de produção, disseminação, crescimento, distribuição, manutenção e serviço, performance, qualidade, questões ecológicas e sustentabilidade. A combinação de todas essas questões molda nossos objetos, informa nossa forma, nosso espaço físico, nossa cultura e nossas experiências humanas. Juntos, esses construtos quantitativos criam uma empresa, sua “identidade”, sua “marca”, seu valor. Esse é o negócio da beleza. Cada negócio deveria preocupar-se completamente com a beleza. Afinal, é essa a necessidade humana coletiva. O design diz respeito a revisitar e fazer evoluir nossa cultura e nossa paisagem física.

Qual o sentido atual da expressão “democratizar o design”, tantas vezes empregada?

Não faço design para pessoas ricas –faço design para todos. Sou proponente e pregador da “designocracia”. Às vezes não posso controlar o mercado, os preços ou a distribuição praticados pelas empresas, mas sempre procuro convencê-las a tornar as coisas menos caras, a empregar técnicas ou estratégias para produzir algo de bom preço para um público maior, porque acredito que, se vamos viver num novo mundo contemporâneo soft, inteligente, orgânico e sensual, precisamos alcançar a todos.

O design está em toda nossa paisagem construída. O design diz respeito à contemporaneidade. É crítico de nossos ambientes domésticos, de nossos meios de transporte, nossos hospitais, nossos produtos, tudo. O design está por toda parte, mas, infelizmente, 90% dele é medonho. Tudo precisa ser desenhado, desde os interiores de nossos aviões até nossos vidros de xampu. Precisamos embelezar este planeta sob todos os aspectos, em todos os cantos do mundo.

Como você descreveria seu trabalho atual?

Minimalismo sensual, tecnorgânica, “pleasuretronics” (prazertrônica), blobismo, essensualismo, digital democrático, infoestética... Todos os objetos e espaços possuem uma linguagem semântica. O amor e o desejo são parte de meu interesse em “sensualizar” nosso mundo físico material. Faço isso não apenas através do desenvolvimento do design, mas também com palestras (não falo nelas sobre meu trabalho, mas sobre os novos comportamentos humanos, a tecnologia, as agendas sociais, políticas e artísticas). Sinto que preciso inspirar. Essa é minha meta. Sou holístico em minha abordagem, para poder tocar todos os sentidos, me mover entre a comodidade e a arte, entre o material e o imaterial. Quero contribuir para moldar um mundo melhor, mais belo, mais poético, mais inteligente, mais estético, mais fulgurante e mais excitante.

Qual é a sua relação com o Brasil?

Desde que a arquiteta Camila Tariki veio trabalhar comigo, há quatro anos, tenho tido mais contato com a cultura brasileira e pude observar os pontos de vista, crenças, valores e talentos brasileiros. Já estive no país quatro vezes. Na última, levei minha mãe, minha irmã e minha mulher. A primeira coisa que me impressionou foi o povo –caloroso, dinâmico, positivo! Em segundo lugar, a arquitetura. Meu arquiteto favorito de todos os tempos é Oscar Niemeyer. Ele é mestre dos edifícios que flutuam sobre o chão para expor a natureza. Em terceiro, a paixão pela arte e a cultura. Em quarto, a música, os cheiros e os sabores. São Paulo é uma cidade de uma exuberância e energia absolutas, feita de extremos totais e um paraíso cultural apaixonante e agitado. É uma de minhas cidades favoritas em todo o mundo. O Brasil é um país maravilhoso, com grande potencial industrial para o design contemporâneo, mas precisa de mais visibilidade global, e sua indústria precisa aderir ao design. O Brasil precisa exercer um papel pró-ativo nesse novo “designismo” internacional.

Veja a galeria

por Alcino Leite Neto e Camila Yahn
foto André Cypriano

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