|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Tariq Ali teme crescente onda terrorista no Paquistão
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Para o escritor paquistanês Tariq Ali, a indiferença dos líderes do
mundo árabe é a responsável pelo fato de o terrorismo
surgir como uma alternativa.
O autor, que vive em Londres,
mas tem família e amigos no Paquistão, diz estar com medo de
que o apoio de seu país aos EUA
possa desencadear uma grande
onda de terrorismo na região.
Ali trabalha há anos na obra
"Quinteto Islâmico", uma série de
romances que abordam as diferenças culturais e as relações entre
o Oriente e o Ocidente. No Brasil,
os livros são editados pela Record.
O primeiro volume é "Sombras
da Romãzeira", que se passa em
Granada (Espanha), na época da
Reconquista cristã. O segundo é
"O Livro de Saladino", que aborda o período das cruzadas, durante a Idade Média, mas enfatiza o
ponto de vista muçulmano.
O terceiro título da série, "A
Mulher de Pedra", cujo enredo
tem lugar na Turquia durante a
decadência do Império Otomano,
no século 19, será lançado no Brasil em janeiro do ano que vem.
O autor estará presente na ocasião, em viagem que passará pelo
Rio, SP e por Porto Alegre, durante o Fórum Mundial Social.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Tariq Ali
concedeu à Folha.
Folha - Como o sr. crê que a população do Paquistão reagirá em relação ao apoio do país aos EUA, no caso de um conflito contra o Afeganistão? Acha que os paquistaneses
islâmicos se identificam mais com a
"guerra santa" do Taleban?
Tariq Ali - O fundamentalismo
islâmico nunca foi popular no Paquistão. Em eleições, os fundamentalistas sempre tiveram poucos votos. Foi o Estado militar que
promoveu e criou esses grupos,
com o apoio norte-americano,
para combater a União Soviética,
no Afeganistão e na Ásia Central.
Ainda assim, acredito que muito
pouca gente no Paquistão gostaria de ter tropas estrangeiras promovendo a guerra em nosso solo.
Folha - Por que o governo paquistanês reconhece a autoridade do
Taleban no Afeganistão?
Ali - Eles os apóiam basicamente
porque são sua criação. É a a única vitória do Exército paquistanês
em sua história inteira. A Arábia
Saudita, que é apresentada de forma errada pela imprensa ocidental como um país moderado, também patrocinou esses grupos.
Folha - O sr. acredita que um conflito poderia mudar o destino do
governo do general Musharraf?
Ali - Sem dúvida. Musharraf é
apoiado por generais religiosos, e
possivelmente 30% ou 40% do
Exército é simpático ao Taleban.
Se Musharraf apoiar a guerra, ele
não irá durar muito, e o Paquistão
certamente experimentará o terrorismo em larga escala.
Folha - Como os paquistaneses
convivem com os refugiados?
Ali - O Paquistão já estava cheio
de refugiados afegãos antes dessa
crise, por causa das guerras civis
do passado. Existe ressentimento
e tensão, mas na fronteira noroeste existem muitos que vêem os
afegãos que falam "pashtu" como
irmãos, pois esta é também a língua daquela província. No passado, não havia uma fronteira real
entre os dois países e as pessoas
da região costumavam atravessar
e voltar quando queriam.
Folha - O sr. acredita que os atentados nos EUA têm relação direta
com o processo de isolamento do
país? Poderia ser comparado aos
movimentos antiglobalização?
Ali - Desde o colapso da União
Soviética, o bloco capitalista parou de se preocupar com as populações pobres no resto do mundo,
porque não existe mais competição ideológica. A globalização
apenas agrava esse problema.
Isso cria um vácuo político, pois
a democracia passa a parecer irrelevante para as pessoas, tanto nos
países ricos como nos pobres, o
que é desesperante.
Entre as causas do ódio de uma
parte do mundo islâmico estão a
questão da Palestina e as campanhas e sanções contra o Iraque.
Como os líderes do mundo árabe
são indiferentes, muitos jovens
vêem a saída no terrorismo. Por
isso, a solução do problema do
terrorismo tem de ser política e
econômica, e não militar.
Folha - Qual é sua opinião sobre o
aumento do preconceito e os ataques contra os muçulmanos depois
dos atentados nos EUA?
Ali - O discurso de caubói de
Bush pedindo Bin Laden "vivo ou
morto" insufla as pessoas a atacarem os árabes americanos e os
sul-asiáticos na América. A histeria oficial alimenta a reação violenta da população.
Folha - O sr. vive em Londres. Percebeu alguma mudança nesse sentido na Inglaterra?
Ali - Na Europa, a situação ainda
não é tão grave, mas uma guerra
daria sinal verde aos fascistas que
focam os imigrantes no Ocidente
há anos. Em Londres, sinto que o
ambiente tem sido mais hostil
com a imensa comunidade paquistanesa da Inglaterra.
Folha - O sr. tem parentes no Paquistão? Está preocupado?
Ali - Estou, muito. Meus amigos
e toda a minha família vivem lá,
inclusive minha mãe, que é idosa.
Sinto-me muito mal.
Texto Anterior: Professor não acredita em guerra civil Próximo Texto: Oriente Médio: Egípcio rejeita terror, mas demonstra ressentimento Índice
|