Livraria da Folha

 
15/07/2010 - 11h26

Novo livro de Colum McCann foca trama nas torres gêmeas do WTC nos anos 70

da Livraria da Folha

Em "Deixe o Grande Mundo Girar", lançado neste mês pela editora Record, o escritor irlandês Colum McCann foca o eixo das tramas a partir da famosa travessia de um equilibrista francês entre as torres do World Trade Center de Nova York.

A obra foi considerada pela revista "Esquire" como "o primeiro grande romance sobre 11 de Setembro". A partir da história do acrobata, várias histórias fictícias de anônimos que o observavam no momento começam a ser desenvolvidas.

Divulgação
Acrobata é o eixo das demais narrativas que povoam o romance
Acrobata é o eixo das demais narrativas que povoam o romance

Na manhã de 7 de agosto de 1974, Petit parou Manhattan por 45 minutos. Ele atravessou um cabo entre as duas torres gêmeas do recém-inaugurado WTC.

A 110 andares de altura, os narradores de suas próprias histórias alçam suas histórias para tentar equilibrar o acrobata francês. A travessia de Petit sobre uma corda entre as torres é o fato verídico sobre o qual as histórias fictícias dos personagens desse livro giram.

Vencedor do National Book Awards 2009, o livro respira sofrimento, pulsa mistério e zela pela Nova York da década de 1970. A caminhada de Petit agrega esperança à vida de cada um dos narradores da obra.

Ao entrelaçar situações aparentemente discrepantes, McCann assume as vozes --e até as histórias-- daquelas pessoas. Cada narrador consegue captar o espírito dos Estados Unidos em um período de transição.

Autor de "O Outro Lado da Luz" e "O Bailarino", o autor participará da 8ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que ocorre entre os dias 4 e 8 de agosto, em Paraty (litoral do Rio). O escritor irlandês falará sobre "Albany, Nova York e outras aldeias" com o norte-americano William Kennedy no dia 7 de agosto, às 12h, na mesa 12.

McCann iniciou sua carreira como jornalista do "Irish Press". Já foi traduzido para mais de 30 línguas e tem textos publicados em diversos veículos, como "New Yorker", "New York Times Magazine" e "Paris Review".

Leia abaixo o trecho inicial de "Deixe o Grande Mundo Girar".

*

Aqueles que o viram silenciaram. Na Church Street. Liberty. Cortlandt. West Street. Fulton. Vesey. Era um silêncio que escutava a si mesmo, solene e bonito. Alguns pensaram a princípio que devia ser um truque de luz, algo a ver com o clima, algum jogo de sombras. Outros imaginaram que talvez fosse a perfeita pegadinha urbana - fique parado e aponte para cima, até as pessoas se juntarem, inclinarem a cabeça, assentirem, afirmarem, até todos estarem olhando para cima para absolutamente nada, como se esperando pelo final de um esquete de Lenny Bruce. Porém, quanto mais olhavam, mais certeza tinham. Ele estava de pé exatamente na beirada do edifício, sua forma escura contra a manhã cinzenta. Talvez um lavador de janelas. Ou um operário da construção. Ou alguém que iria se jogar.

Lá em cima, a 110 andares de altura, absolutamente parado, um boneco escuro contra o céu nublado.

Ele podia ser visto apenas de certos ângulos, de modo que os observadores tinham que parar nas esquinas das ruas, encontrar uma brecha entre os prédios ou serpear pelas sombras para conseguir uma visão desobstruída pelas cornijas, gárgulas, balaustradas, pontas dos telhados. Nenhum deles tinha ainda conseguido compreender a linha esticada a seus pés de uma torre a outra. Sem dúvida, era a forma humana que os segurava ali, pescoços esticados, dilacerados entre a promessa do destino e o desapontamento do ordinário. Era o dilema dos observadores: eles não queriam ficar esperando por nada, algum idiota de pé no precipício das torres, mas tampouco queriam perder o momento, se ele escorregasse, ou fosse preso, ou mergulhasse, braços estendidos.

Ao redor dos observadores, a cidade ainda fazia seus barulhos cotidianos. Buzinas de carro. Caminhões de lixo. Apitos das barcas. O zumbido do metrô. O ônibus M22 avançou contra a calçada, freou, murchou em um buraco. Uma embalagem de chocolate jogada fora bateu em um hidrante. Portas de táxis batiam. Pedaços de lixo se enfiavam nos cantos mais escuros das passagens. Tênis se acomodavam. O couro das pastas roçava nas pernas das calças. Algumas pontas de guarda-chuvas tiniam no calçamento. Portas giratórias empurravam conversas entrecortadas para a rua.

Mas mesmo que os observadores tivessem conseguido captar todos os sons e os compactado em um único ruído, ainda assim não teriam escutado quase nada; mesmo quando praguejavam, faziam-no em voz baixa, com reverência.

Viram-se aglomerados em pequenos grupos ao lado dos semáforos na esquina da Church com a Dey; reunidos sob o toldo da barbearia do Sam; no vão da porta do Charlie's Audio; um apertado pequeno teatro de homens e mulheres contra as grades da St. Paul's Chapel; disputando espaço a cotoveladas nas janelas do Woolworth. Advogados. Ascensoristas. Médicos. Faxineiros. Chefs. Joalheiros. Peixeiros. Prostitutas patéticas. Todos reconfortados pela presença um do outro. Estenógrafos. Lojistas. Entregadores. Homens-sanduíche. Vigaristas. Eletricitários. Telefônicos. Financistas. Um serralheiro em sua van na esquina da Dey com a Broadway. Um entregador de bicicleta apoiado em um poste de luz na West. Um bêbado de rosto vermelho em busca de um trago matinal.

Da estação de barcas de Staten Island eles o vislumbraram. Dos armazéns de empacotamento de carne do West Side. Dos novos arranha-céus do Battery Park. Dos carrinhos de café da manhã na Broadway. Da praça abaixo. Das próprias torres.

Claro, havia alguns que ignoraram o rebuliço, que não queriam ser incomodados. Eram 7h47 e eles não ansiavam senão por uma escrivaninha, uma caneta, um telefone. Vinham das estações de metrô, das limusines, dos ônibus urbanos, atravessando a rua rapidamente, rejeitando mesmo a possibilidade de uma espiada. Outro dia, outra pena. Mas ao passarem pelos pequenos blocos de comoção, eles começavam a diminuir o ritmo. Alguns paravam completamente, davam de ombros, viravam indiferentes, caminhavam até a esquina, esbarravam nos que observavam, caminhavam nas pontas dos pés, olhavam por sobre a multidão e então se apresentavam com um uau ou um Nossa ou um Jesus Cristo.

O homem lá no alto permanecia rígido, e, no entanto, seu mistério era móvel. Estava parado um pouco além da grade da plataforma de observação da torre sul - a qualquer momento ele poderia simplesmente decolar.

Abaixo dele, um pombo solitário arremeteu, descendo desde o andar mais alto do edifício do Federal Office, como se antecipasse a queda. O movimento atraiu os olhares de alguns observadores, que acompanharam o mergulho cinza contra a silhueta do homem de pé. O pássaro foi de um beiral ao outro, e só então os observadores repararam que outros, nas janelas dos escritórios, onde as persianas estavam sendo levantadas e alguns painéis de vidro empurrados para cima, haviam se juntado a eles. Tudo que podiam ver era um par de cotovelos ou a ponta da manga de uma camisa, ou a liga de um braço, mas então aparecia uma cabeça, ou um estranho par de mãos acima dela, erguendo ainda mais o vidro. Nas janelas dos arranha-céus ao redor apareciam vultos olhando para fora - homens em mangas de camisa e mulheres com blusas reluzentes, ondulando nas janelas como aparições em parques de diversões.

 
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